Coleção pessoal de Eliot

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⁠Ledas horas -

Esta fria e densa solidão
feita de silêncios e saudade
possuiu-me logo o coração
desde o principio da idade ...

Cheia de caminhos, sem nada,
tirou-me da vida claridade
e minha mãe, pobre; coitada,
pariu-me sem vontade ...

E as lágrimas em fio
cairam-me cansadas,
tremendo à noite, cheias de frio!

E tantas ... ledas horas magoadas
que vi pairando no vazio
por ver minh'Alma abandonada ...

⁠Outro Começo -

Neste mal sentir em que me encontro,
mal estar profundo e inacabado,
sou de mim cativo, por isso conto,
sou um prisioneiro do Passado!

Quem me dera ser outro além de mim
alguém firme e certo do caminho
capaz de fazer da vida Não ou Sim
traçando as linhas do destino!

Mas há pedras! Tantas! Tantas! Tantas!
Buracos, vales, covas e cabeços
e o cemitério cheio de campas ...

Eu vendo solidões a bons preços,
quem dera mas comprassem almas Santas
para que eu tivesse outro começo!

⁠O Amor é o alicersse
onde se apoiam os abraços,
os sorrisos e os olhares.
Faz pontes, destrói barreiras,
únifica Almas, amplia Vidas ...

⁠É Noite -


É Noite! E é noite na minh'Alma ...
É noite adentro ao meu coração
carregado de saudade.
É noite - em breve madrugada e o
dia chegará!

É Noite! E é noite em minha casa ...
É noite à minha mesa num abismo
etéreo e profundo.
É noite - em breve madrugada e o
dia chegará!

É noite! E é noite em meu olhar ...
É noite no meu corpo, nos meus gestos.
É noite - em breve madrugada e o
dia chegará!

É noite! E é noite em minhas mãos...
É noite em minhas veias, nos meus ossos, nos meus dedos.
É noite - em breve madrugada e o
dia chegará!

E é noite em minha cama ...
É noite nos meus sonhos ...
Noite austera e profunda
sem ter principio nem ter fim ...
É noite - chegou a madrugada mas
o dia não virá!

⁠É melhor tomar uma decisão radical
do que assinar um mau acordo!

⁠Quem adiciona (+) sem dividir (÷)
subtrai (-) a igualdade (=)
e multiplica (×) a separação ...

⁠E a vida é assim -

E a vida é assim
cheia de principios e de fins
cheia de alegrias e de mortes
e até a própria sorte
está cansada de ter fim ...

Mas a vida é assim
um abismo entre ti e mim
da juventude à velhice
vou dizer o que já disse
a vida é assim!

Às vezes cheira a jasmim
há o não e há o sim
talvez o sim uma saudade
o não uma vaidade
porque é que a vida é assim?!

Por vezes feita de cetim
nem sempre é um jardim
um silêncio, uma quimera
e na verdade, quem nos dera
que não fosse tão ruim.

Mas a vida é assim
tem principio e tem fim
nós nascemos a chorar
não passamos sem amar
'inda bem que a vida é assim!

⁠Sobre as infâncias:

Há muitos tipos de familia ...
Familias de muitas naturezas ...
Damos e recebemos o amor
que é possivel!

⁠Ainda ontem me lembrei
que se tornármos mais tranquilos
os momentos difíceis
talvez possamos viver a vida
mais inteiramente!

⁠Rés-do-Chão da Vida -

Eu vim do rés-do-chão da vida
de uma vontade inconcebível
do instante sem despedida
de tudo o que não é possivel.

Eu vim com asas quebradas
e na vontade de voar
vi a Alma abandonada
nas margens da vida a soluçar.

Eu vim de onde ninguém vem
da estranha noite dos meus medos
da vontade que ninguém tem
de ver a nú os seus segredos.

Eu não sei de onde vim ...
Trago a Alma em sangue, ferida,
tão perto e tão longe de mim
eu vim do rés-do-chão da vida.

⁠Sobre Amália:

Quando a voz de um Povo,
a Alma de uma Nação
habitam num só corpo,
num só coração ...

⁠Um amigo quando gosta de nós
é um prolongamento da nossa
identidade.

⁠Farei de cada momento da minha vida
uma incessante de apenas viver aquilo
que me faz bem!
O resto não vale nada ... seja palha que o
vento leva!
Serei, no entanto, sempre submisso à
Vontade Deus, o Único que me Guia.

⁠⁠Nasci Cansado -

Trago os sentidos carregados de poesia ...
As mãos, os olhos, os gestos, as palavras
tudo me grita num só brado, dia-a-dia,
flores e silêncios que o destino não me dava.

Nasci cansado à esquina da vida,
sem saber onde estava ou d'onde vinha
de cada encontro fiz uma despedida
sem saber quem era ou que Alma tinha.

E o que importa a quem não é saber onde está
se a âncora do barco nunca foi capaz
de contra o vento segurar a vida?!

E nunca mais a minh'Alma desconhecida
há-de chorar em verso ou viverá
p'ra tomar as redeas d'um destino pobre e incapaz!

⁠A URGÊNCIA DO HOSPITAL DE ÉVORA NÃO É O QUE DIZEM ...


No Passado dia 14 de Janeiro quando ao final da tarde fui chamado pela mãe para regressar a casa porque a avó Clarisse de 92 anos estava estranha não imaginava o que se viria a passar. Quando cheguei a casa encontrei-a apática, pálida, sem qualquer reacção. Fiquei apavorado. Note-se que esta avó me é muito importante. Aflito e depois do conselho de uma vizinha Médica, que imediatamente e sem pestanejar acorreu a minha casa, a quem muito agradeço, chamei o INEM. Ágeis, três Bombeiros de Arraiolos trataram a avó com enorme delicadeza e amabilidade prestando-lhe os primeiros socorros levando-a de imediato para a Urgência do Hospital do Espirito Santo de Évora. A eles o meu muito obrigado. Acompanhei-a. No Hospital foi atendida, encaminhada, devidamente medicada. Todo este processo durou alguns dias e as minhas idas ao hospital eram constantes. Vi ali de tudo. Mas o que vi não abona em favor dos familiares dos doentes. Como é possivel que pessoas que tem os seus familiares debilitados os levem para a Urgência para serem tratados por quem lá está com essas funções e mal tratem as pessoas que os vão tratar?! Poucas vezes lhes ouvi sair das bocas as palavras, por favor, com licença e se faz favor. E atenção porque eu estava nas mesmas condições, era familiar de uma doente. Vi falta de macas, de lençois, de camas, de espaço, exames que levam tempo a dar resultados porque é mesmo assim, médicos e enfermeiros a fazer turnos de 24 horas, funcionárias de recepção esgotadas a lidar com doentes, médicos, familiares por vezes dificeis. E as familias a atrapalharem ainda mais quem queria trabalhar para lhes salvar os entes queridos. Bizarro! E de quem é a culpa de todas estas faltas de condições? Do hospital? Dos médicos? Dos enfermeiros? Dos funcionários em geral? Não! E nós sabemos que não! As politicas que nos governam e dizem que está tudo bem só querem votos. Mas isso já sabemos (é pena é que andemos aqui a votar em partidos em vez de votarmos em pessoas).

Mas afinal quem é que é acusado destas faltas? Aqueles que estão à mão. Os que por graça ou ironia precisamos que tratem os nossos familiares. Mas estamos todos loucos? Então atacamos e mal tratamos quem precisamos que ajude os nossos doentes? Vi ali tanta coisa desagradável. Entre a impotência de médicos, enfermeiros, funcionárias de recepção, triagem, seguranças, auxiliares, senhoras da limpeza, todos sem poderem fazer nem melhor nem mais rápido porque estão limitados pelo espaço e pelo tempo e os sucessivos ataques de quem precisa dos doentes tratados disparando aleatóriamente acusações despropositadas. Ouvia constantemente aos gritos: "Na semana passada, há dias ou ontem, ouvi dizer que vocês iam deixando morrer aqui ..."

Mas passa pela cabeça de alguém que numa urgência um médico ou enfermeiro deixe morrer propositadamente outro ser humano naquela situação?! Fiquei horrorizado!!!! Por vezes vi funcionários chorarem. Ficarem desolados. Ao que nós chegámos! Pessoas que afirmo estarem a dar o seu melhor e afirmo porque vi, experienciei na pele.

Pois venho aqui dizer que ninguém sabia quem eu era nem quem era a avó quando ali entrei. E desde a porta da entrada, do segurança ao médico, passando por todos os funcionários da urgência do Hospital do Espirito Santo de Évora só posso reconhecer e agradecer tudo o que fizeram pela a avó e por quem lá estava a ser tratado. E estava lá muita gente doente. Ninguem nos privilegiou ou escolheu pelos nossos olhos. A delicadeza, a disponibilidade, a amabilidade com que fui recebido, tratado, encaminhado ajudou-me muito a ultrapassar este momento dificil que durou quase oito dias e que sei que ajudou nas melhoras da avó. Fui tratado como um ser humano e talvez porque os tenha trado igual no principio. Estou grato a todos e venho aqui publicamento dize-lo porque merecem que o diga, que o publique, que se faça saber. É necessário ser-se mais compreensivo com quem precisamos que trate dos nossos doentes. E assim o quis e tentei fazer desde o inicio talvez porque a avó sempre me tenha ensinado que reconhecimento e gratidão geram abundância. Abundância em caridade e amor com quem nos está próximo em cada minuto de vida ainda que não saibamos quem é. Quanto a avó já está em casa a recuperar.

A quem trabalha no Hospital de Évora, essecialmente na Urgência, estou-vos profundamente grato por muito, por tanto porque reconheço o vosso mérito e vejo as dificuldades em que estão imersos numa profissão que se tornou tão ingrata. Rezo por todos para que Deus vos conceda a capacidade e a paz interior mais do que tratar dos doentes saberem lidar com quem os leva ao hospital porque a Urgência do Hospital de Évora não é o que dizem.


Um neto grato e reconhecido

⁠O Natal e a Guerra -

É Natal ...
o silencio despe o infinito
e o mundo veste-se de guerras.
Há mães que choram filhos mortos,
pais que choram pais,
mortos que não partem,
tanta gente sem rumo.

Não sei se é Natal!
Não pode ser Natal!

É Natal ...
as lágrimas jorram como fontes
secando as fontes d'água.
Gente sem casa, sem comida
nem familia.
Corações despedaçados
suplicando por amor.

Não sei se é Natal!
Não pode ser Natal!

É Natal ...
o Sonho de Belém é destruido ...
... a manjedoura está vazia
e vazia está a humanidade.

Não sei se é Natal!
Não pode ser Natal!

O Menino retira-se da gruta.
Não há cânticos de Glória
nem estrelas no firmamento,
o manto da noite veste Belém.
O silencio despe o infinito
e o mundo veste-se de guerras ...

Não é Natal!
Ali ... não pode ser Natal...

⁠Encontro -

E quando nos cruzamos
com pessoas que nos encantam
há um brilho que encontramos
e os olhos não se cansam...

E não se cansa a nossa voz
nem tampouco a alegria
não voltamos a estar sós
seja noite ou seja dia...

Momentos são momentos
passam breves, sem parar,
mas amigos são amigos,
servem sempre para amar ...

Quando vi o seu olhar
profundo, verdadeiro
na vontade da abraçar
senti-a toda, por inteiro.

E a vida marca o ponto
vivo-a sempre com emoção,
hei-de guardar o nosso encontro
nos reservados do coração.

(Para a minha querida Cinha Jardim.)

⁠Abre a Janela -
(Para Maria João Quadros)

Nunca mais sentirei o teu abraço nas noites de fado
nas vielas escondidas, nas travessas tortuosas,
nunca mais saberei do teu coração cansado
dando voz às guitarras virtuosas...

Para onde foi o timbre da tua voz?!
A suavidade com que me tocavas o rosto?!
Não ouves ... mas estou aqui ... a sós ...
ausente de mim, sem vontade nem razão, dentro do corpo.

Incapaz de voltar atrás ... a morte chegou ...
... sinto-me impotente ... cheio de frio e solidão!
Mas a vida é um ciclo, não pára nem parou
e em nós bate ainda o teu coração...

Teu rosto, teu perfil, tudo endureceu
alumiado à chama de uma vela,
não deixes quem te ama e não morreu
"meu amor abre a janela!"


(Na Basilica da Estrela em Lisboa.
À minha querida Maria João Quadros com todas as saudades possiveis e imaginárias tipicas de quando nos afastamos ... guardo-a no coração ... para sempre.)

⁠ROMA -

No desejo das palavras por dizer
que o silêncio guardou na voz de cada fonte,
Terra d'heróis que não nos cabem conceber,
trago de repente Roma no horizonte!

Tudo me grita outro tempo ao passar
por entre mudas estátuas que se erguem
a cada canto desta Roma singular
que meus olhos rasos d' água já não temem.

E vejo-me passar por entre a neblina
revejo-me nos olhos, nas vozes desta gente,
cruzo-me comigo nas ruas, a cada esquina
como se voltasse a um Passado 'inda Presente.

Como se meu túmulo fosse um túmulo de pedra
às portas de tantas Glórias aqui adormecidas;
passa a vida mas o sonho nunca medra
e voltamos ao ponto das despedidas.

Estou em Casa mas tenho saudade...
A distância faz-me perto por meu mal!
De regresso ... volto à minha cidade
mas sinto saudades de Roma em Portugal.


(Escrito na Igreja de Santa Maria in Trastevere
junto ao Palácio de S. Calixto em Roma)

⁠Manuel de almeida: Poesia, Fados e Destino -

Quando algures se presta homenagem a uma ilustre figura que imprimiu no mundo a sua “digital criativa”, é quando, verdadeiramente, se cumpre e se manifesta a alma de um Povo. É quando se expressa, no mais vasto sentir de uma pátria, aquilo que de mais intenso e grandioso a precede e antecede. Isso que faz dela a ramagem que dá vida às folhas que brotam, num verde jucundo, dos ramos de uma árvore altiva e frondosa. A imponente e grandiosa copa de uma árvore que se ergue ao céu pelos tectos do princípio ao fim do mundo. É assim o punho de um poeta ou a voz de um rouxinol…


Manuel de Almeida. Um poeta solitário que canta a voz de um povo. E sê-lo, é saber profundo, pesado e leve de um passado distante, rude e austero, feito de idealismo sublime e arte manifestada. Força que emana de cada pensamento no doloroso silêncio de uma vida vivida, de um sonho total. De uma verdade expressa, de uma entrega inteira, real, sincera, altruísta, sensível, e até, quase cruel…

Manuel de Almeida, alguém atento, à vida que foi, à vida que é – ainda – sem o ser, porque o já foi, sendo-o. Alguém nas várias dimensões do tempo, projectado na grandeza panorâmica dos seus versos e do seu canto…

“Quando chegar a hora da partida
ordenada por Deus omnipotente
quando os anjos cantarem nova vida
o meu fado talvez seja diferente.

E quando for a festa do meu dia
no mundo imaginário que sonhei
quero beber o vinho d’alegria
e abraçar os amigos que encontrei.

Suspenso no meu fado, nem reparo,
no tempo de marcar a minha vez
quero morder o pão que me foi raro
nesta minha passagem com vocês.”

Bravo Manuel de Almeida! Bravo! Este teu “Até Sempre” permanecerá sempre, aqui e ali, em nós, teu Povo, tua Gente, em cada canto, para sempre! Bravo! Bravo!

Tão poético! Tão Fadista! Tão português …

Plasmando nos olhos e nos sentidos de cada um a imensidão da tua alma. Rubra e intensa, quando ao cair da noite as guitarras ainda se perfilam no horizonte das vielas e a tua voz se ergue de mãos postas pisando as penas de uma vida que nos vive. O que de ti para nós é o Fado! Isso que súbito, e em cada um, acorda e desperta uma memória longínqua e difusa de eternidade. Profunda e intensa. Indefinida nostalgia amarga e doce de algo que se sabe e se esqueceu. Perante o fado que é o teu todos somos poetas…

Todos sentimos frente à tua eterna e humilde presença, a dor e a grandeza da humanidade, esse património impresso no sangue lusitano desta pátria singela e amada a que todos pertencemos e erguemos como um facho a arder nas madrugadas transformando a noite escura em dia claro.

A fé profunda das palavras que nos falam de ilusão, a sabedoria e o êxtase dos sentidos despertos em horas de fado, bem ou mal fadado, e os abismos nocturnos onde se afundam lamentos que desejamos transcender. A nossa alma!
Tudo o que sempre foi e é este país mais do que qualquer outro. O teu, o meu, o nosso país. Este Portugal à beira mar, esta Lisboa de encantar adornada pelo Tejo.
E as palavras não se esgotam, dizem os poetas. Perante ti, Manuel de Almeida, não se esgotam, mas não chegam, já não vibram…

“As palavras são como um cristal,
algumas um incêndio.
Outras orvalho, apenas.
Secretas, vêm, cheias de memória.
Tecidas de luz
que paraísos de unidade activam ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe?”
Diz Eugénio de Andrade


Recolhe-as o poeta, escuta-as o fado… digo eu!
Nós somos, por isso, uma gente de mágoas, um Povo solitário, grandioso na partida e maior à chegada…


“Óh gente da minha Terra,
agora é que eu percebi,
esta tristeza que trago
foi de vós que a recebi.”

Disse Amália.


Manuel de Almeida escreveu:

“E quando for a noite do meu fado
fado que me foi dado de raíz
quero cantar até ficar cansado
numa canção de amor ao meu país.”


Obrigado Manuel de Almeida. Por seres poeta, por seres fado, por tão bem sentires a tua pátria, o teu Povo, a tua raíz, a tua Gente. Por viveres e fazeres acontecer em ti e de ti a alma portuguesa.

Manuel de Almeida: Poesia, Fados e Destino …



Cascais, 27 de Abril de 2015
Jantar de homenagem a Manuel de Almeida.