Coleção pessoal de Eliot

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GESTO BRANDO -

Por um momento, Senhor,
senti a Tua Voz descer por sobre
o meu coração magoado!
Era manhã rasgada sobre a névoa.
Foi-se a memória do passado,
o silêncio opaco e triste,
a noite cheia de mistério que
por sobre mim persiste ...
Havia ondas de Luz num horizonte qualquer!
Asas batiam no firmamento de um
Sol inútil.
E Tu, Senhor, 'inda assim,
desceste por sobre o meu coração
ferido e macio, cheio de bocados
de sonhos, caídos na noite sem fim ...

Trevas, Noite e Lume -

Passa o tempo devagar
por silêncios indiscretos
passa a dor que por te amar
vem do sangue de dois pregos.

Passa ao lado a ilusão
dessas trevas que deixaste
e no calvário do coração
um coração que tu pregaste.

Passam medos sem destino
passam gritos magoados
tantas pedras no caminho
que deixaste nos meus fados.

E até passa o meu ciume
e as mentiras que o fizeram
passam trevas, noite e lume
por tantas coisas que não eram.

Tudo passa, bem o sei,
por esta ausência sem razão
oh meu Deus porque deixei
que alguém pregasse meu coração?!

Carta aberta ao Senhor -

Vem Espirito de Deus, antiquíssimo e idêntico,
Igual por dentro ao silêncio ...
Vem, Senhor das coisas impossíveis que, desces no olhar, na voz de quem vive o teu Mistério!
Vem ... vaga e levemente com as Mãos estendidas para cada um de nós e beija-nos a fronte, enche-nos de infinito!
Funde o teu corpo aos nossos sonhos nos impasses calados que nos prendem a vida!
Vem embalar os nossos pensamentos, afagar-nos a tristeza, aumentar a nossa Fé!
Vem lá do fundo, de dentro de nós e para nós, das raizes da vida que nos correm nas veias do coração. Dá alento às coisas que dizemos, às que dizemos e não somos, às que somos e não damos. Talvez porque a vida seja curta demais para a Alma que trazemos, talvez, porque não possamos tocar mais além do que o nosso olhar pode tocar, ou, porque não pensemos mais do que o nosso pensamento pode alcançar! Perdoa a nossa frágil condição. Essa que conheces desde sempre ...
Aceita, porém, a nossa imensa gratidão por tantas vidas que nos envias indicando a direcção ...
Essas vidas que se dão aos Teus desígnios Grandiosos, à Glória do Teu Nome, à plenitude do Teu Espírito.
Obrigado, Senhor, pelo Dom do Sacerdócio! Esse Ministério tão cheio de Mistérios, esses Mistérios tão cheios de Grandeza ...
Obrigado, Senhor, por aqueles que nos envias a penetrar os Teus Segredos, p'los que curam as feridas, por aqueles que participam em cada sofrimento, p'los que vivem neste mundo de prazeres sem procurar o seu prazer, p'los que vão dos homens até Ti, Senhor, e vão de Ti até aos homens, levando-lhes a Esperança, a Fé e a Caridade num amanhã que há-de vir! ...
Por terem um coração de fogo e uma Alma de marfím onde se passeiam , de mãos dadas, a caridade e o amor, levando a cruz como bandeira.
Obrigado, Senhor, por lhes dares um pensamento de oiro num corpo de prata!
Derrama sobre nós a Tua bênção, mas, abençoa sempre, e em primeiro, quem nos guia, porque nos guia! Pois se não formos dignos de te falar, ao menos, podemos ouvir-te por intermédio desses que escolheste para nos ajudarem p'los caminhos pedregosos que a vida tem ...

Despeço-me, Senhor, de Ti, por Ti e em Ti.
Ricardo Maria Louro (Caminhando)

Até Amanhã -

Até amanhã ó meu amor
ou então até já
acredita, por favor,
que te amo mas não dá.

Guarda em ti esses momentos
que nós vivemos tão nossos
na raiz do pensamento
na raiz dos teus ossos.

Até amanhã ó meu amor
que vá eu aonde vá
deixa a vida ao sabor
deste simples até já.

Mas não houve um até já
fica a esperança que foi vã
este amor não voltará
diluiu no amanhã.

Ladainha dos Martyrios -

Bendita e louvada seja
A paixão do redentor
Que p'ra nos livrar das culpas
Padeceu por nosso amor!

Senhor tende piedade de nós!
Jesus Cristo tende piedade de nós!
Espirito Santo que sois Deus
tende piedade de nós !

P'las sete dores de Maria, rogai por nós!
P'las três quedas do Senhor, rogai por nós!
P'los Martyrios de Jesus, rogai por nós!
P'las moedas que o venderam, rogai por nós!
P'la corda que o maneetou, rogai por nós!
P'la corrente que o prendeu, rogai por nós!
P'los espinhos que o coroaram, rogai por nós!
P'la cana que lhe deram, rogai por nós!
P'lo caminho do Calvário, rogai por nós!
P'la toalha que o limpou, rogai por nós!
P'la cruz que o suspendeu, rogai por nós!
P'los cravos que o pregaram, rogai por nós!
P'lo martelo que o cravou, rogai por nós!
P'la torquês que o despregou, rogai por nós!
P'los dados que lançaram, rogai por nós!
P'la tunica que rasgaram, rogai por nós!
P'la esponja envinagrada, rogai por nós!
P'la lança que o trespassou, rogai por nós!
P'lo suspiro que lançou, rogai por nós!
P'la escada que o desceu, rogai por nós!
P'la Santa Mãe que o recebeu, rogai por nós!
P'lo Santo Sepulcro que o acolheu, rogai por nós!

E porque Jesus Ressuscitou,
Aleluia, renasceu!
E porque o Senhor vive p'ra sempre,
Aleluia, renasceu!
E porque o tumulo está vazio,
Aleluia, renasceu!
E porque a vida triunfou,
Aleluia, renasceu!
E porque o véu que nos separava para sempre se rasgou,
Aleluia, aleluia, aleluia, Renasceu!

Bendita e louvada seja
A paixão do redentor
Que p'ra nos livrar das culpas
Padeceu por nosso amor!

Um Poema para Ti -

Foi de mim que nasceu
este poema para ti,
não tem principio nem fim
nem palavras que o sustentem
no passar da madrugada ...
E o silêncio é tão frio
mas o amor 'inda é maior!
E foi por ti, só por ti
que o embalei no meu seio
desde o ventre de minha mãe,
sim, tu já lá estavas também!
Não te via mas sentia que estavas
entre o ali e o agora,
estavas no meio ...
E o tempo passou
e todos passaram,
tu chegaste, o teu olhar veio.
E aqui estou
dividido mas inteiro
só por ti, só por ti
à espera que venhas
que me abraces
sem princípio nem fim
como o poema que escrevi
nestas linhas para ti ...

Tanta gente desonesta -

Tanta gente desonesta
Com olhar de quem não é
Tanta gente que não presta
Qu'inda assim diz que tem fé!

O mundo corre, o mundo gira,
Tudo passa em seguida
Quem levanta uma mentira
Pagará com a própria vida!

Vem trevas, agonias
P'ra quem fere um semelhante
Nada o salva desses dias
Condenado eternamente!

E a vida sempre segue
Ao lado dessa gente
Mas a morte que os persegue
Há-de calá-los para sempre!

⁠Naquela campa -

Há um poema cansado
Nas rimas do meu sofrer
Mais um momento marcado
Pela vontade de morrer.

Há um silêncio que agito
No fundo dos meus sentidos
E o meu poema é um grito
São meus sonhos perdidos.

E o que ficou do que fomos
Está preso ao fado, à poesia
P'ra mim seremos e somos
Aquele amor que eu sentia.

Aquelas horas tão nossas
Só eu as guardo no peito
Talvez também 'inda possas,
Lembra-las tu ao teu jeito.

Naquela campa tão fria
Deixo uma rosa e um beijo
Que a Musa desta poesia
Fica virada p'ro Tejo.

Linda Leonardo -

Minha vida fez-se grito
Cheia de curvas de saudade
E num pranto entristecido
Atravessou a minha idade.

Veio de longe a solidão
deixando a vida por viver
E num momento sem razão
me dei ao fado sem saber.

E vai chorando o coração
Num anseio sem ter calma
E eu cantando desde então
Tantas penas da minh'alma.

Tanta vida por viver
Tanto fado por cantar
Tantos versos por escrever
E eu sofrendo por te amar.

(Versos que o poeta dedica à amiga e fadista Linda Leonardo)

⁠Esse amor que trouxe o vento -

Esse amor que trouxe o vento
Mais veloz que o pensamento
Trouxe rosas ao meu leito
E num mar de água salgada
Fez nascer a madrugada
Como um sopro no meu peito!

Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer no firmamento
Uma estrela ilumimada
E aqueles sonhos que sonhei
Aquele amor que desejei
Fez-me andar por outra estrada!

Esse amor que trouxe o vento
É mais forte que o lamento
Que a saudade ou a tristeza
E ái daqueles que o não sentem
Na verdade é porque mentem
E só vivem na incerteza!

Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer um sentimento
Que nos veste o coração;
Disse adeus à amargura
E não sei se foi loucura
Disse adeus à solidão!

Deus, o deserto e a esperança -

Há momentos de solidão na vida que vivemos,
Horas tristes, tristes horas onde nada nos é dado
Que até parece que do amor nada sabemos
Como nada saberemos da cor do nosso fado!

São desertos dolorosos que atravessamos
Que as vezes nos são tão dificeis de passar!
E onde estão aqueles em quem confiamos?!
Todos nos abandonam, à deriva a penar ...

O que nos resta é dor, cansaço e solidão ...
Virar p'ra Deus nossos olhos cheios de nada
Porque de nada está cheio o nosso coração
Num percurso solitário pela estrada.

Mas quando tudo está perdido vem a luz
Renasce em cada um uma nova confiança
Entrega-te nos braços divinos de Jesus
E vive esse Deus, o deserto e a esperança!

- SAUDADE DO CHIADO -

Que saudade do chiado
Dos seus dias solarengos
Da alegria d'um passado
Que dentro de mim tenho.

Das esplanadas ao vento
E Da beleza dessas ruas
Que saudade desse tempo
Dos poetas, das estatuas.

Da calçada portuguesa
Das igrejas em solidao
Trago a grande singeleza
Do bairro alto no coraÇao.

Trago os dias bem passados
Tantas horas de poesia
Tantos gritos arrancados
À ganância dos meus dias.

Da loucura dos meus sonhos
Tanta coisa foi perdida
Houve dias tão risonhos
Tanta mágoa apetecida.

E Tanta gente que passou
Pela sombra do meu fado
Foi-se embora e não levou
Esta saudade do chiado.

Ricardo Maria Louro
No Chiado em Lisboa

Pintura de Lisboa

É cedo, o Sol disponta no horizonte,
lá longe a madrugada adormece,
de braços bem abertos, por traz da ponte,
vejo o Cristo como estando numa prece.

E vejo o Tejo carregado de saudade
vejo a Graça que descansa na colina
é tal a magia em torno da cidade
que até Cristo num gesto se reclina.

E vejo as ameias do Castelo
essas que recortam o horizonte,
no Chiado oiço um Fado tão singelo
que vai de Santa Justa até à ponte.

São os poetas que gritam no peito
de quem vai passando p'las vielas,
há gente que se encontra a sós no leito
há tanta melancolia nas janelas.

É assim esta pintura de encantar
que tanto me encanta e enternece!
Minh' Alma como o Tejo vai pro mar
Canta, chora , dança, escreve e adormece ...

MINHA PÁTRIA

Tenho orgulho no meu Pais,
tanto orgulho, mal sabia,
corri mundo, nunca vi,
como a Gente, tal Poesia!

Até mesmo o Pôr-do-Sol
ou o nascer de cada dia,
entra o mar como um lençol
por esta Terra de Melancolia.

Tantos montes, tantos vales,
tudo em mim, vivo, à arder ...
Minha Terra não me abale
esta vontade de to dizer!

E mesmo até quando eu morrer,
não me importa de que mal,
oiçam todos o que vou dizer
que me enterrem em Portugal!

Movimento -

Dos Astros o movimento
é a força do meu andar
um andar sem pensamento
na alegria de só estar.

Estar todo, por inteiro,
no instante, no momento
dar à vida voz, primeiro,
só depois ao sentimento.

Na verdade é ser destino
dando vida a cada ser
e ir errando p'lo caminho
até faz parte de aprender.

Talvez tenha muito errado
não me arrependo do que fiz
o passado é só passado
o que importa é ser feliz.

A saudade é indiscreta -

A saudade é indiscreta
Porque chega sem convite
E age sempre como seta
Que atravessa sem limite.

Ela invade o coração
E se espalha pelo corpo
Traz tristeza, desilusão,
Ansiedade e desconforto.

E dos olhos caem sombras
Caem dores, caem lutas
Mas mais tarde voam pombas
Pelo Céu das nossas culpas.

Chega o tempo, passa a vida
Vai passando a nossa idade
Só não passa a despedida
De quem deixou essa saudade.

Paira sobre mim -

Paira sobre mim
a tua voz de silêncio
naquela casa d'onde vim
caiada de Sol e Madrugada !

Visto a dor em meu corpo ...

Algo há de oculto,
meu barco, meu porto,
minha noite sem esperança!

Nada vejo ... nada escuto ...

Há vazio e nada em meu redor,
o eco do silêncio que deixaste
na voz muda das Estrelas.

Aquela casa abandonada
grita por dentro, sem fim,
e a tua voz, cansada,
chama de longe, por mim.

Como tudo entre nós está mudado ...
Tenho frio ... estou gelado!

⁠À Morte de Maria Flávia de Monsaraz -

Silêncio todos os povos,
silêncio todas as raças,
todos os Credos,
todas as gentes!

Façam silêncio todas as
Almas ...

O Céu parou!
Calou-se a voz dos Astros,
as Estrelas não cintilam,
a noite cobriu os horizontes.
Em tudo há algo que doeu.

Por toda a Terra há um eco
de saudade:
" - Ficámos órfãos das Estrelas ...
... a Maria Flávia morreu!"

Os Anjos, em cortejo, a vieram
abraçar ...
E assim partiu: imutável, eterna!
Além de todas as palavras ...
Esférica, etérica, ampliada.
Na evidência Sagrada da Essência
do Ser ...

3 Espinhos ao Nascer -

Trouxe 3 espinhos ao nascer:
dor, silêncio e solidão
e quem haveria de dizer
que me ficariam no coração?!

No lado esquerdo da vida
levei a dor por companheira
e foi em cada despedida
que a senti ser mais inteira.

Do silêncio, a horas mortas,
fiz a cama dos meus dias
mudei coisas, fechei portas,
sempre triste, mas sorria.

Do Poeta trouxe a Alma
no meu punho, em minha mão
nunca soube o que é ter calma
nasci filho da solidão.

Sou o que Fica -

Eu sou o que fica parado, contra o tempo,
numa espera inútil e cansada,
num espaço aberto, contra o vento,
onde a Alma está ainda agrilhoada.

Sou o que fica depois de tudo terminar,
calado, ausente de esperança,
num silêncio abrasador, a chorar,
mas com alguma Fé e Confiança.

Sou o que fica vestido de madrugada
com sapatos de silêncio à beira mar
e que caminha numa longa estrada
numa pressa incessante de chegar.

Eu sou o que fica sem ficar
a mágoa apetecida sem razão
o triste barco ao cais pronto a largar
a que o destino deu o nome de solidão.