Coleção pessoal de Nanevs

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O TEU ESPAÇO EM MIM



O encanto se desfez
A realidade foi ilusão
Não foi de verdade
Durou tão pouco

E esse vazio que ficou
Tão real em mim
Sem saber que também é parte
Daquela doce ilusão

O fechar dos teus olhos
Sorrindo para mim
Enquanto teus lábios maliciosos
Piscavam num canto qualquer (da boca)

Valeu cada segundo
Valeu toda a ilusão
Que fez de mim imensidão
Quando julgava já, finitude

Esse vazio que ficou
Tão cheio de lembranças
Vai comigo por onde eu for
Ocupando o teu espaço em mim

(Nane-30/05/2015)

UMA PONTE PARA O HORIZONTE



O azul absurdo do céu de maio
Sem uma nuvem sequer
Numa efêmera abóbada ilusória
Feito um abstrato sentimento

Beleza sutil e admirável
Que a gente não se cansa de olhar
Em busca de uma (também ilusória) ponte
Que nos leve ao (inalcançável) horizonte

A claridade refletida no azul
Límpida, sem sombra nenhuma
Empresta ao dia uma plenitude
Digna dos contos de fadas

Corre o riacho mansamente
Sem pressa de chegar
Por saber que o mar
Está a lhe esperar

Gestam seus frutos que virão
Na certa estação, as árvores
Também sem pressa nenhuma
Por saberem que o tempo virá

Toda a efemeridade concreta
Faz da vida, poesia
Pronta a ser vivida
E lida assim, num simples dia

O azul absurdo do céu de maio
Se despede majestoso
Encantado e encantando
Feito um abstrato e tão concreto sentimento

(Nane - 29/05/2015)

A DANÇA DAS PALAVRAS



Dançam na mente as palavras
Que fogem e se recusam enfileirar
Na poesia que eu queria escrever
E ao mundo, mostrar

Divertem-se comigo as palavras
Que mostram-me a poesia
Mas deixam claro que são delas (palavras)
A supremacia da autoria

Aí bate o cansaço
E me irrito na impotência
De não saber traduzir
A beleza da poesia escondida

Dançam a dança lírica
Enquanto eu apenas vivo
A poesia oculta
Em mim segredada

Isso faz do poeta
Refém de si mesmo
E das palavras, potentado
Do meu mundo não revelado

(Nane - 30/05/2015)

VINGANÇA ARTICULADA



Que pretensão a minha
Acreditar no amor
Fruto de uma mentira
Semente de uma verdade

Que ingenuidade a minha
Não perceber que a vingança
Se camuflou de sentimento
E mais do que a mentira, enganou

Que fragilidade a minha
Ao me deixar envolver
No visgo pernicioso
Que sufoca e faz doer

Que tristeza a minha
Não conseguir me desvencilhar
Não deixar de amar
Quem de mim só quis zombar

Que loucura a minha
Desse jeito me entregar
E ver passar a vida
Sem conseguir nada mudar

Que vingança a sua
Pensada, pausada e articulada
Com toda a maestria
De um mestre vingador

Que triunfo o seu
Que no mais vil dos sentimentos
Conseguiu matar em mim
A vontade de viver

(Nane-25/05/2015)

AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA



Santa Maria
Mãe de Deus
Me disseram um dia
Que de tanto eu pedir
Me atenderias

Me ensinaram a rezar
O terço Mariano
Na hora do Ângelus
Insistindo no pedido
Que eu tanto queria

Pedi, pedi e pedi
Numa ladainha incessante
Que a Santa Maria não ouviu
Por estar muito ocupada
Com outros pedidos bem rezados

Danou-se e me ferrei
O terço está guardado
Se bem que nunca o ganhei
E o fiz de feijões estragados
Sem força nas orações

Ainda hoje eu peço
Sem terço e sem fé
Me perco nas ladainhas
E esqueço da fala vindoura
Ou da conta a seguir

Ave Maria
Cheia de graça
Agora só o que peço
Me deixa dormir sossegada

(Nane-23/05/2015)

PLATÔNICA DEMÊNCIA



Na loucura dos meus dias
Insisto em te procurar
Nas molduras do infinito
Linear do céu com o mar

O horizonte me oferece
Teu rosto no crepúsculo
Enquanto a alvorada
Traz tua voz no canto da passarada

Demência ou paixão
Loucura ou razão
Pouco importa
É só o meu jeito de ter você

Na noite e no dia
Em tempo integral
O pensamento é meu
E nele mando eu

Você tão distante
Ainda mora em mim
Mesmo não querendo
É teu meu coração

Platonicamente eu digo
Que poeta nunca fui
Mas o amor, esse demente
Me fez enlouquecer...e te escrever

Que importa o toque
Se teu cheiro está em mim
Que importa se não me amas
Se o meu amor esta em ti

(Nane-22/05/2015)

PORTAL DE LIMIARES



O cansaço tomou conta de mim
Nas trevas do meu desassossego
Procuro em vão pelo alívio
Da morte que me rejeita

Vocifero todas as heresias
Batendo na porta do umbral
Limiar do inferno e do céu
Nas minhas entranhas decompostas

As palavras abortam em minha boca
Feito feto cuspido na latrina
Ensanguentando meu karma
Destituído de qualquer missão

Pesa-me nas costas o preto velho
Agarrado feito filhote indesejado
Nos anos que se arrastam nas trevas
Do que seria a minha vida

Os remédios condutores do sono
Postados inertes na prateleira
Como um convite do abrir da porta
Do umbral limiar do meu inferno ou do meu céu

O cansaço tomou conta de mim
Nas trevas do meu desassossego
Procuro em vão pelo alívio
Da morte que me rejeita

(Nane-20/05/2015)

RODA TUA BAIANA SALVADOR



Salvador, Salvador
O que é feito de ti
És filha do grande Criador
E teu nome te conduz

Cidade de puro sincretismo
Respira por teus becos e vielas
Tuas ruas e avenidas
Todas irmanadas religiões

Salvador, Salvador
Porque fostes castigada
Com tanta severidade
E tantas vidas perdidas

Que fizestes Salvador
Teu povo é só amor
Foi aviso da mãe natureza
Para cuidar da tua beleza

Ah Salvador...
Que teu povo seja confortado
Por todos os Santos que em ti moram
E que sejam (também) por eles ensinados

Que teus dirigentes se orientem
No respeito ao meio ambiente
E te reestruturem com o mesmo fervor
Dos fiéis filhos de São Salvador

(Nane-20/05/2015)

FELIZ DE QUEM DEU MILHO AOS POMBOS



Afunde seu derrière no sofá macio
Ajeite suas costas na fofa almofada
Conecte-se com o mundo lá fora
Enquanto passa indolente a sua vida

Feliz de quem deu milho aos pombos
Posto que viram os pombos em bandos
E ouviram seu revoar ao saciarem a fome
E viram o poeta fazer disso, canção

Agora, tudo isso acontecendo
E você aí...afundado num sofá
Teclando no seu celular
Conectado ao mundo inteiro

Protestando contra o sistema
Dos coxinhas e dos truculentos
Entre foices e martelos
Sem sair do seu lugar

Feliz de quem deu milho aos pombos
E viu que eles são reais
Hoje você voa tão alto quanto eles
No seu mundo virtual

Grita bem alto em seu perfil
Esse seu jeito de herói varonil
Enquanto do seu lado o silêncio
Afasta todos os seus amigos

Afunde seu derrière no sofá macio
E deixa morrer de fome os pombos na praça
Enquanto os tiros dos canhões disparados
Atingem seu alvo real

(Nane-19/05/2015)

INTRÍNSECA



A febre intermitente
Não vai, não fica
Frita meus neurônios
Cozinha minhas ideias

As vísceras, essas
Sarapatéis baianos
Prontas à serem devoradas
Pelos corvos de Allan Poe

Intrinsecamente revirada
Sinto o enjoo da ressaca
Jogada no mar revolto
Da minha própria enseada

Levada de encontro à pedra
Deixada deitada na areia
Vomitando disparidades
Dos pensamentos fritados

Lavas de fel abrandadas pelo mel
Mareando o estômago cozido
E queres que eu escreva o que
Além dessas minhas mazelas

Um fio tênue separando
Realidade e devaneio
Embriagados num mesmo espaço
Do cérebro viciado

Sirvo-me aos corvos de Allan Poe
Expondo meu corpo à milanesa
Extenuado e sem preconceito
Para que me comam e devorem

Antes que eu mesma me refaça
E deles me sirva
Comendo-os vivos e empenados
Quando a febre for embora (de vez)

(Nane-19/05/2015)

FANTASMAS DA MADRUGADA

É sempre na calada da noite
Que sobrevoam sobre mim
Os fantasmas insinuantes
Bailando nas sombras
De encontro à fosca luz
Que transpassa na cortina
Esvoaçante...
Suas vozes melancólicas
Incompreensíveis para mim
Incomodam o meu sono
Conturbado e confuso
Já me acostumei a eles
E o medo, em mim, não faz morada
Perturbam minha mente delirante
Moldando sempre uma só imagem
Do rosto que zombou de mim
Com gargalhadas escancaradas
Aos gritos de "iludida"
Por ter acreditado no amor
Insone, viro e reviro
Tentando não ver
O rosto que quero esquecer
E meus fantasmas não deixam
Estuprando meu cérebro com imagens
E vozes incompreensíveis
As luzes da cidade logo se apagarão
E a aurora anunciará um novo dia
Descansarei enfim, na labuta diária
Dos teus olhos frios que me olham
Moldados pelos fantasmas que me rondam
Todas as madrugadas...

(Nane-18/05/2015)

MENTIRA VERDADEIRA
Por que te amo
Nada me é permitido
Além do desejo
De te ter

E por te amar
Nada há de ser limitado
Dentro do meu querer
Mesmo sem poder

E por nada ser verídico
Insisto em te amar
Mesmo que nunca te tenha
Além do pensamento

E por seres só uma mentira
Te faço de verdade
Em todos os meus desejos
Não realizáveis

E por não existires
Tornas-te meu maior desejo
E vives em meus devaneios
Tornando-te real em mim

E por seres meu maior amor
Me entrego e morro
Quando percebo que és mentira
E eu a tua verdade

Perdoa meus desatinos
E entenda de uma vez por todas
Que de uma tola mentira
Fiz minha maior verdade

(Nane-17/05/2015)

LATENTE LOUCURA

Ferem-me os sentidos
Revividos num instante
De sanidade latente
Acabrunhada...

Doce loucura
Que me priva do verossímil
Conduzindo mi'alma
Sem amarras ou grades

Viajante espectro
Livre de acepção
Mergulhando em rios
Correndo pros mares

A culpa destoa
Da santa loucura
Quando emerge do nada
A mais (ainda) louca sanidade

Ferrolhos trancafiados
Pesando na alma
Aflita que vaga
Encarcerada no corpo

Sou meio e tudo
De um inteiro partido
Na luta perdida
Do certo e o errado

Vago na minha sanidade
Contida em meus desejos
Enquanto na minha loucura
Vivo o meu bem querer

(Nane-16/05/2015)

DESAFIANDO A PREGUIÇA



Da janela do meu quarto observo
O dia que passa marrento
E vejo o sol com preguiça
Por ser sol de outono

Lá fora, correm galinhas e patos
No terreiro mesclado pelo cimento
Onde descansam os cachorros e os gatos
Também preguiçosos

Me chamam as tarefas diárias
Mas a preguiça é contagiante
Nesse dia de sol indolente
Que parece estagnar a gente

Da janela do meu quarto observo
O quintal sem menino correndo
Ta tudo tão silencioso
Que parece natureza morta na tela

Vejo mato, cimento e ribeirão
E casas de vizinhos fechadas
Só a minha está aberta
Por preguiça minha de fechar

Deixa passar esse dia
Enquanto eu aceito o desafio
E vou fazendo poesia
Com preguiça e um assobio

(Nane-15/05/2015)

JOGADA AO VENTO



E na minha loucura me perdi
Dos meus próprios devaneios
Transformando-os em esperanças vazias
De quem já não pensa em nada

Foram-se as quimeras
E os sonhos da imaginação
Sobrou o vazio de uma mente oca
Sem mais nenhuma expectativa

Num solo estéril
Semeei a podridão
De grãos infecundos
Jogados ao léu

A frieza do nada me envolve
E nada mais faz sentido
Homens e mulheres
Crianças e velhos

Só o vazio me preenche
De um nada sem importância
O que será ou o que virá
Não faz mais diferença

De bom, dentro de mim
Resta pouco ou quase nada
Os sonhos fundiram-se aos pesadelos
E as noites aos dias

O bem e o mal são tão efêmeros
Como a vida e a morte
E essa maldita dualidade
Me faz ser quem não sou

Talvez amanhã eu esteja eufórica
E escreva palavras bonitas
Talvez amanhã eu nem acorde
E durma o meu sono derradeiro

Na minha loucura me perdi
E por que cargas d'águas não consigo
Preencher esse vazio que restou
E fez de mim...nada

(Nane-14/05/2015)

MULHER DE CARGA

Mulher culpada
Da culpa de ter
A marca na alma
De ser mulher

Carrega seu fardo
No corpo nu
Em plenas avenidas
Do país que te oprime

Mulher de cargas
Pesadas e à mostras
Para quem tem olhos
De ver e entender

Mulher coragem
De expor seu corpo
Aos olhares curiosos
Que quase sempre não veem

Mulher bonita
Em todas as suas formas
De alma livre
No corpo atada

Mulher de carga
Altamente explícita
Na força explosiva
Da sua ARTE

(Nane- 11/05/2015)

VÍSCERAS MISTURADAS

Exponho as vísceras
No meu desespero
Que grita teu nome
No meu silêncio

Dentro de mim
Se fez tsunami
Sacolejando meus órgãos
Misturados e sem lugar

Esvaindo o sangue
Jorrado em lágrimas
Salgadas e adocicadas
Com cheiro nauseabundo

O pulmão enegrecido
Comprimindo o coração
Perdidos no fog da fumaça
Do cigarro companheiro

Bate nas costas e cabeça
Não sei se cérebro ou coração
Só sinto o pulsar insano
Da saudade do teu corpo

Rasgo com minhas unhas a minha pele
Na esperança de ver aliviar
A pressão dessa dor que me consome
E fugir da tua opressão

O peito já não sangra mais
Na cirurgia da triste poesia
Só não sei o que deve ser extirpado
Pra tirar você de mim

Onde está meu coração
Nessa arritmia dos meus órgãos
Atrás da penumbra dos pulmões
Ou no cérebro ensandecido

Pouco importa isso agora
Sou retalho do que fui
Exposta e a venda na xepa
Dos mortos vivos por amor

(Nane-11/05/2015)

O PALHACINHO FREDERICO

Era uma vez um menino
Que adorava os palhaços
Lá da televisão
Tinha tanto medo o menino
Dos palhaços de verdade
Que preferia observá-los
De longe...bem de longe
Pensava mesmo que eles tinham
Aquelas caras pintadas
Dia e noite, noite e dia
Mas ainda assim gostava deles...

Veio o dia então
Que o menino percebeu
Que o palhaço era homem
E medo não precisava ter
Palhaço agora, ele queria ser...

A vó, que palhaça também era
Pintou sua carinha
E o menino no espelho
Se viu como um lindo palhacinho!

Tão feliz ele ficou
Que não quis tirar a máscara
Os flashs pipocaram
E para todos ele posou
Com um sorriso de felicidade
Do palhaço Frederico...

Adormeceu o palhacinho
E sonhou com as palhaçadas
Acordou de cara limpa
Contando pra todo mundo
Que fora palhaço por um dia
E que isso, por certo virou poesia.

(Nane/11/05/2015)

PORQUÊS



Há tantos porquês
E tão cheios de regras
Com e sem acentos
Em começos e fins
Que já nem sei do certo
Nem tão pouco do errado

Será você o certo
No acento circunflexo
Ou errado no junto
Que julguei separado
E por isso tirei o chapéu
No final da linha

Entre tantos porquês
Perguntei a mim mesma
Por que será
O porquê de não mais ter
O porquê da minha vida
Perdido em meus porquês...

(Nane-09/05/2015)

ACERTO DERRAMADO



O que fazer com a incerteza
Do certo e do errado
Quando o seu certo se derrama
E se mostra todo errado

Cavar na areia um buraco
E enfiar lá a cabeça
Deixando a respiração sufocada
Morrendo enterrada

Ou adormecer por longo tempo
E despertar no esquecimento
De um novo tempo
Sem ares ou ventos de lembranças

Deixar a cabeça na guilhotina
E decepar todas as decepções
Sem carrasco ou extrema-unção
Talvez seja a solução

Correr por uma longa estrada
Até cair exaurido
De cara no pó do chão
Destruído ou de tudo destituído

Enquanto não vem a resolução
A incerteza permanece
E o errado prevalece
Sobre o certo derramado

(Nane-05/05/2015)