Luiselza Pinto
Seria maravilhoso um mundo em que todas as pessoas pudessem viver e não meramente existir; seres humanos potencializados em direção ao ser, numa perfeita dinâmica com o próprio estar. Seguros das convicções em que navegassem, não temeriam opiniões diversas e nem se agastariam com quaisquer contrários. Quão pobre é qualquer tentativa de planificação humana, como se o comum fosse o normal e esteio da plenificação do aqui.
Houve um tempo em que não havia espelhos e a própria imagem era algo inviável de se imaginar... Houve um tempo em que os sons eram de uma única vez, de várias vezes que fosse, mas sem gravação e sua farta audição em qualquer momento e lugar. Como, pois, ouvir a mesma música mais de uma vez a não ser que se voltasse ao ambiente onde ela poderia ser escutada ou se, em tendo como, o próprio ouvinte lha tocasse? Difícil... Ouve o tempo? Não! O tempo é a régua do andar do espaço e não pode ser ouvido. Importantíssimo e quase inócuo, ele é o tecido que encobre a entretela do suposto acaso. Estamos aqui e, se não há limites ao ser, há uma direção que emerge, ou se alimenta, do ocaso. A vida é, também, medida pelo tamanho da morte de cada vivente.
SINFONIA FLORIDA
Dedilho à saudade molhada
Com as águas da lembrança
Passos cantam pela estrada
Uma sinfonia à esperança.
Vida que amo além da morte
Morte que amo além da vida
Haverá estrela mais florida
Se estar aqui é toda sorte?
AVE Andante (Luiselza Pinto)
És o primeiro alguém que te espera
Na terra de alegres passos insanos
Neste espaço que trança entre anos
Embalado pela realidade ou quimera.
São as águas que preenchem os rios
São os rios que preenchem os mares
És um pilar primo dos teus altares
A vida pulsante de cheios e vazios.
Quando dores mareiam ponteiros sós
Impera o comemorar pela eternidade
Graças à vida! À morte! Há saudade...
Navegue! Alguém te espera; por nós.
EIXO DE NÓS - nº 21 (Luiselza Pinto)
A Terra gira em si mesma e o Sol acorda ou dorme. Ele nos cumprimenta quando desabrocham as manhãs, quando se avermelham as tardes, quando se avolumam as noites. O Sol convida a Terra à aproximação ou afastamento e assim emergem as estações; e juntos, seguem pelo espaço que abrolha do movimento daquilo que primeiro há. Vozes, músicas e ruídos atravessam toda a Terra, mas ela guarda para si mesma os seus monólogos e os seus diálogos sonoros. Luzes atravessam este ovóide irregular e dizem dos seus vastos campos verdes ou secos, das suas encostas suaves ou altas, dos seus ares e mares molhados pela água das fantásticas pontes de hidrogênio; e do além... Histórias e notícias traspõem o Universo carregadas por toda a gama de ondas não sonoras: É o infravermelho que aquece, o ultravioleta que queima, as radiações gama que penetram, a luz que ilumina e cria a necessidade ou vontade de se usar a régua do tempo. Por mais salgadas que sejam, as lágrimas não se petrificam à eternidade; volatilizam-se. O seguir em frente é tão imperioso quanto o é a vida. O (re)nascer – numa estranha espiral – é obrigatório: Estamos sempre diferentes do instante anterior, contudo ainda somos a coluna vertebral do mesmo. O diverso do estar se agrega e combina ao ser de nós.
Para a presença não solicitada (Não se deve confundir com companhia, (in)diretamente procurada!) a natureza ofertou três possibilidades de salvação: Música, distância e esquecimento.
Os ditadores são seres com muitos achismos e apenas duas certezas: São eternos e estão cercados de idiotas que envelhecerão.
Viver é a miraculosa arte de sempre aprender, sentir e agradecer à vida, à morte, ao pensamento e às presenças ou ausências sinceras.
Todos os dias são perfeitos para aqueles cuja vida é um presente mais da sorte do que da oportunidade.
Se a sua primeira respiração foi caindo do Everest e você chegou vivo lá embaixo, não reclame. Agradeça pelo tudo e pelo nada; e viva até a morte duvidar dela mesma.
É também quando, conscientemente, agradeço pelos meus processos vivos inconscientes, que posso dimensionar mais o meu estar e ser aqui.
Quando o conforto é impossível e o consolo desnecessário, a única coisa exequível é o agradecer por se ter conhecido determinadas pessoas.
Minha casa é o lugar em que posso encontrar o máximo de pessoas que são o que nem mesmo cheguei a estar.
Estão muito mais que vivos aqueles que voluntariamente retornam ao inferno para ajudar os que lá ficaram.
A vastidão do horizonte é anterior à memória das árvores... Esta é uma das razões pelas quais a consciência busca caminhar em direção ao futuro.
É pouco útil, ou bastante prejudicial, dar aquilo cujo uso apenas se potencializa através da troca ou venda.