Poema de Cavalo

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Não, eu não tenho jeito de campeão.
Se eu fosse um cavalo de corrida,
ninguém apostaria um centavo em mim.
Mas eu corro e, curiosamente,
sempre chego onde eu quero chegar.

Quando eu morrer, não soltem meu cavalo
nas pedras do meu pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu dorso alardeado,
com a espora de ouro, até matá-lo.

Ariano Suassuna

Nota: Trecho de "Lápide" de Ariano Suassuna

Lamento do oficial por seu cavalo morto


Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.


Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!


E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?


Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...


Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...


Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!


(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)

A cólera é um cavalo fogoso; se lhe largamos o freio, o seu ardor exagerado em breve a deixa esgotada.

Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados.

Nunca usei bombacha, não gosto de chimarrão e nem de me lembrar da última vez que subi num cavalo. Aliás, o cavalo também não gosta.

Os homens são animais muito estranhos: uma mistura do nervosismo de um cavalo, da teimosia de uma mula e da malícia de um camelo.

Não se satisfaça apenas em cumprir sua obrigação. Faça mais que sua obrigação. É o cavalo que termina com uma cabeça à frente que vence a corrida.

Se eu perguntasse a meus compradores o que eles queriam, teriam dito que era um cavalo mais rápido.

Henry Ford

Nota: A citação foi apenas atribuída a Henry Ford nos 2000. Mas, como o engenheiro morreu em 1947, a evidência a essa autoria é fraca. Porém, o bisneto de Ford utilizou a citação em 2006 e afirmou que atribuição ao bisavô está correta.

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Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte:
o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.

De chinelo, short, cara lavada e camiseta branca. Porque quem gosta de mulher montada é cavalo.

Por falta de um prego, perdeu-se uma ferradura. Por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo. Por falta de um cavalo, perdeu-se um cavaleiro. Por falta de um cavaleiro, perdeu-se uma batalha. E assim, um reino foi perdido. Tudo por falta de um prego.

Um cavalo nunca corre tão rápido quanto corre quando tem outros para acompanhar e superar.

Sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Armando Nogueira, futebol e eu, coitada.

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O Vento na Ilha

O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.

Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama calopando
para me levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando na sombra,
entretanto eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite
descansarei, amor meu.

A ciência não é uma vaca sagrada. A ciência é um cavalo. Não o adores, simplesmente alimenta-o.

Antes de dormir rezei, mas dessa vez não pedi o moço de cavalo branco (carro do ano) e da espada gigante (vocês entenderam), apenas agradeci por estar me sentindo tão inteira, feliz, em paz e, principalmente, por não precisar de ninguém ao meu lado para estar bem. Mas no fundo, no fundo, confesso: pensei também que quanto mais inteira, feliz, tranquila e independente eu for, mais chances eu tenho dele aparecer. Vício é vício.

Se o cavalo tivesse conhecimento da sua força, seria tão louco que se sujeitasse ao jugo, como acontece? Mas, caso ele se tornasse sensato e se libertasse, então dir-se-ia que tinha enlouquecido.

Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Mario Quintana
Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973