Pensamentos de Clarice Lispector
Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.
Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos. Quem vence? Eu sempre perco.
[Um amigo é] uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me trate de igual para igual. Que me permita ser humilde.
"Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal.
Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil...
O adulto é triste e solitário.
A criança tem a FANTASIA muito solta. "
Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.
Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.
Eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.
Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.
Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.
Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.
Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.
Sou imatura bastante para não suportar bem um prazer frustrado.
Eu sou sim. Eu sou não. Aguardo com paciência a harmonia dos contrários. Serei um eu, o que significa também vós.
Não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo.
Além do mais, o homem que sou, tenta em vão inquieto acompanhar os meandros bizantinos de uma mulher, com desvãos e cantos e ângulos e carne fresca – e de repente espontânea como uma flor.