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O APARECIMENTO DA TEORIA DA SOCIEDADE DE MASSA
No fim do século XIX, a imagem de sociedade que surgiu era a da
mudança de um sistema tradicional estável, no qual as pessoas estavam
intimamente ligadas umas às outras, para um de maior complexidade onde
os indivíduos estavam socialmente isolados. O corpo crescente e cumulativo
de teoria sociológica, descoordenado e até conflitante, parecia de uma
forma ou de outra salientar esses temas. A sociedade era um grande
sistema, e estava ficando cada vez mais complexa. Para alguns, tal complexidade
representava progresso, via leis naturais da evolução, para um
sistema mais desejável e, no fim, mais harmonioso do que antes. Para
outros, isso representava um movimento insidioso para uma existência
árida e isolada para o indivíduo, mesquinhamente preocupado com metas
especiais, e incapaz de identificação vigorosa com outros. Grandes debates
ocorreram referentes à conveniência de interferir na evolução da
sociedade por meio de legislação. Outras discussões brotaram referentes
à melhor estratégia possível para prosseguir no desenvolvimento de teorias
acerca dessas vastas mudanças. A despeito destes pontos de vista
divergentes, sobre estratégias e consequências, contudo, pareceu claro
para a maioria dos estudiosos da ordem social que o mundo ocidental
passava por um aumento de heterogeneidade e individualidade, uma
redução do grau até onde a sociedade poderia efetivamente controlar seus
membros por meios informais, uma crescente alienação do indivíduo de
uma sólida identificação com a comunidade como um todo, um crescimento
de relações sociais segmentárias e contratuais, e um grande agravamento
do isolamento psicológico do ser humano.
Essas tendências sociais gerais foram consideradas conduzindo para
a sociedade de massa. A ideia de sociedade de massa não equivale a
sociedade grande, isto é, a grandes números. Há muitas sociedades no
mundo, tais como na Índia, que têm número astronômico de pessoas mas
ainda se acham mais ou menos tradicionais em sua organização. Sociedade
de massa refere-se ao relacionamento existente entre indivíduos e a ordem
social que os rodeia. Na sociedade de massa, segundo foi ressaltado nas
teorias que examinamos: (1) os indivíduos são considerados numa situação
de isolamento psicológico uns dos outros; (2) diz-se predominar a
sociedade de massa e teoria da bala mágica 177
impessoalidade em suas interações com outros; (3) são considerados
isentos das exigências de obrigações sociais informais forçosas. Essas
ideias foram aventadas por alguns sociólogos já bem avançados no século
XX e ainda merecem importante consideração, a par de diversas modificações
e contratendências18. Ao discutirem a organização da ordem social
industrial urbana do mundo ocidental contemporâneo, Broom e Selznick
resumiram os principais delineamentos da ideia de sociedade de massa,
muito sucintamente, nos seguintes termos:
A sociedade moderna é composta de massas na acepção de ‘‘haver emergido uma
vasta massa de indivíduos segregados, isolados, interdependentes em todos os tipos
de especializações mas no entanto carentes de qualquer valor ou finalidade central
unificadora’’. O debilitamento dos laços tradicionais, o aumento da racionalidade e
a divisão do trabalho criaram sociedades compostas de indivíduos que se acham
apenas reunidos frouxamente. Nesta acepção, a palavra ‘‘massa’’ sugere algo mais
parecido com um bolo de massa do que com um grupo social intimamente entrelaçado.19
Esta visão da natureza social de seres humanos foi associada a
paradigmas igualmente gerais de sua natureza psicológica. Em resumo, a
conduta humana era, conforme as abordagens neurobiológica e comparativa,
em grande parte um produto de dote genético. Quer dizer, as causas
do comportamento foram buscadas dentro da estrutura biológica. Essa
linha de pensamento iria ter implicações importantes para a primitiva
interpretação dos novos veículos de massa. A natureza destes paradigmas
psicológicos gerais e sua importância para interpretar a mídia de massa
serão esclarecidas em seções posteriores.
A SOCIEDADE DE MASSA
E A TEORIA DA BALA MÁGICA
Foi contra esse pano de fundo intelectual que os veículos de comunicação
de massa se difundiram pelas principais sociedades ocidentais em seus
primeiros anos. Para avaliar a influência que tais interpretações generalizadas
da ‘‘natureza da natureza humana’’ tiveram sobre parte das ideias
iniciais a respeito da mídia, temos de examinar sumariamente o período
em que a comunicação de massa era ainda um fenômeno social relativamente
novo com que o mundo tinha de defrontar-se.
A Propaganda de Guerra e as Crenças sobre o Poder da Mídia
A primeira década do século XX mal passara quando a Europa, e depois
os Estados Unidos, mergulharam na Grande Guerra. A própria divisão do
178 os efeitos da comunicação de massa
trabalho e a resultante heterogeneidade e individualidade que haviam
possibilitado a existência das novas sociedades industriais, agora viraram
um problema. A Primeira Guerra Mundial foi, de fato, a primeira das lutas
globais em que populações inteiras desempenharam papéis ativos e coordenados
no esforço contra os inimigos. Na maioria das guerras anteriores,
as forças militares opostas levavam a cabo seus embates de certa forma
independentemente das populações civis. A menos que ocorresse de o
combate ter lugar em sua região imediata, as pessoas em casa não se
achavam intensa nem pessoalmente envolvidas. Isso fora particularmente
verdadeiro na Inglaterra, que não havia sido ocupada por um inimigo
desde a invasão normanda. Era também verdadeiro para os Estados Unidos,
que viram pela última vez soldados estrangeiros em suas praias
durante a Independência, embora a Guerra Civil tivesse acarretado grandes
sofrimentos em algumas áreas.
Esse novo gênero de guerra foi, com efeito, um embate da capacidade
fabril de uma nação contra a da outra, e os exércitos no terreno
estavam apoiados e totalmente dependentes dos vastos complexos industriais
dos respectivos países. Estes imensos esforços industriais exigiram
a cooperação e o entusiasmo irrestritos das populações civis que deles
participaram. A guerra total impunha devotamento total de todos os
recursos da nação. Amenidades materiais tinham de ser sacrificadas; o
moral tinha de ser mantido elevado; as pessoas tinham de ser persuadidas
a deixar as famílias e a alistar-se; o trabalho nas fábricas tinha de ser realizado
com vigor inabalável; e, não menos importante, tinha de ser arranjado
dinheiro para financiar a guerra.
A Propaganda e a Necessidade de Gemeinschaft. As populações diferentes,
heterogêneas e diversificadas das sociedades industriais, contudo,
não estavam unidas por aquele ‘‘sentimento recíproco, aglutinador... que
mantém seres humanos reunidos como membros de uma totalidade’’.20
Não eram sociedades Gemeinschaft, mas eram deveras mais sociedades
de massa, carecendo destes vínculos eficazes. No entanto, eram justamente
tais laços de sentimento que se faziam necessários para unir aquela
gente em solidariedade positiva por trás dos respectivos esforços de
guerra. À medida que cada país se comprometeu politicamente com a guerra,
surgiu a necessidade mais crítica e urgente de forjar elos sólidos entre o
indivíduo e a sociedade. Tornou-se essencial mobilizar sentimentos e
lealdades, instilar nos cidadãos ódio e medo contra o inimigo, manter
elevado seu moral diante das privações e captar-lhes energias em uma
efetiva contribuição para sua nação.
O meio para alcançar estas metas urgentes foi a propaganda. Mensagens
de propaganda cuidadosamente projetadas mergulharam a nação
sociedade de massa e teoria da bala mágica 179
em noticiários, fotos, filmes, discos, discursos, livros, sermões, cartazes,
noticiários telegráficos, boatos, avisos em murais e panfletos. Planejadores
da política de alto nível decidiram que o que se achava em jogo era
tão grandioso e os fins tão importantes que isso justificava quase quaisquer
meios. Os cidadãos tinham de odiar o inimigo, amar sua pátria, e
devotar-se ao máximo ao esforço de guerra. Não se podia depender de que
o fizessem por conta própria. Os veículos de comunicação de massa
disponíveis então tornaram-se as principais ferramentas para persuadi-los
a agir assim.
Após a guerra, diversas pessoas que haviam estado envolvidas
intimamente na produção de propaganda ficaram carregadas de sentimentos
de culpa acerca dos grosseiros embustes de que haviam participado.
Mentiras deslavadas foram contadas por um lado acerca do outro, e,
quando postas perante as populações da época através dos veículos de
massa, foram frequentemente acreditadas. Tal persuasão em grande escala
de populações inteiras com o emprego dos veículos de massa, nunca fora
vista antes, e foi conduzida de maneira habilidosa e extremamente coordenada.
Também, os tempos eram aparentemente mais inocentes; até
a palavra ‘‘propaganda’’ não era entendida pelo cidadão comum. Após a
guerra, quando ex-propagandistas publicaram um chorrilho de revelações
sensacionalistas acerca de suas burlas do tempo da guerra, o público em
geral ficou mais esperto.
Para exemplificar rapidamente o material julgado eficiente pelos
propagandistas e as reações que buscavam com seus estímulos, transcrevemos
o seguinte de uma revelação do pós-guerra, bastante citada:
A História de Atrocidades foi um grande fator na propaganda inglesa. A maioria...
era engolida gulosamente por um público confiante. Teriam estado menos dispostos
a aceitar as histórias sobre atrocidades alemãs se tivessem assistido ao nascimento da
mais lúgubre história de atrocidade na sede do Departamento de Informação britânico
durante a primavera de 1917.
O general-de-brigada J.V. Charteris... comparava duas fotos apreendidas com
alemães. A primeira era uma reprodução vívida de uma cena horrível, mostrando
os cadáveres de soldados alemães sendo arrastados para serem enterrados atrás da
linha de frente. A segunda mostrava cavalos mortos a caminho da fábrica onde a
engenhosidade alemã extraía sabão e óleo das carcaças deles. A inspiração para
mudar as legendas das duas imagens acudiu ao general Charteris como um relâmpago.
... Habilmente o general usou a tesoura e colou a legenda ‘‘Cadáveres Alemães a
Caminho da Fábrica de Sabão’’ em baixo dos soldados alemães mortos. Dali a vinte
e quatro horas a foto estava na mala do correio para Xangai.
O general Charteris despachou a foto para a China a fim de revoltar a opinião
pública contra os alemães. A reverência dos chineses para com os mortos alcança as
raias da adoração. A profanação de mortos atribuída aos alemães foi um dos fatores
responsáveis pela declaração chinesa de guerra contra as potências centrais.21
180 os efeitos da comunicação de massa
Se esse propagandista em particular esteve certo em sua avaliação do
impacto da falsificada foto de jornal não precisa nos preocupar. O exemplo
e o efeito alegado constituem materialização clássica do tipo de teoria
da comunicação de massa em que se apoiavam tais esforços de propaganda.
Era uma teoria relativamente simples e coerente com a imagem da
sociedade de massa que era a herança intelectual do século XIX. Admitia
que estímulos claramente concebidos atingiriam cada indivíduo da sociedade
de massa através da mídia, que cada pessoa os perceberia da mesma
maneira geral, e que eles provocariam uma reação mais ou menos uniforme
de todos.
Mensagens da Mídia como Balas Mágicas. Como consequência da
guerra, surgiu uma crença generalizada na grande força da comunicação
de massa. A mídia foi encarada como capaz de moldar a opinião pública
e inclinar as massas para quase qualquer ponto de vista desejado pelo
comunicador. Um cientista político norte-americano, que tentou analisar
objetivamente o impacto da propaganda de tempo de guerra e o papel da
mídia na sociedade de massas, chegou às seguintes conclusões:
Mas quando tudo foi levado em conta, e todas as estimativas extravagantes foram até
o fundo, subsiste o fato de ser a propaganda um dos mais poderosos instrumentos do
mundo moderno. Ergueu-se até sua eminência atual em resposta a um complexo de
circunstâncias mutáveis que alteraram a natureza da sociedade. Pequenas tribos
primitivas podem agrupar seus membros heterogêneos em um conjunto combatente
com a batida do tantã e o ritmo tempestuoso da dança. É em orgias de exuberância
física que rapazes são levados até o ponto de ebulição da guerra, e que velhos e moços,
homens e mulheres, são apanhados pela sucção da intenção tribal.
Na Grande Sociedade não é mais possível fundir a inconstância de indivíduos na
fornalha da dança de guerra; um instrumento mais novo e sutil tem de caldear milhares
e até milhões de seres humanos em uma massa amalgamada de ódio, vontade e
esperança. Uma nova chama tem de sair ardendo do cancro de discórdia e temperar
o aço do entusiasmo belicoso. O nome deste novo malho e bigorna de solidariedade
social é propaganda.22
A teoria básica da comunicação de massa implícita nessas conclusões
não é tão simples quando poderia parecer. Com certeza, é relativamente
teoria direta de estímulo-resposta, mas também é uma teoria que
presume um determinado conjunto de suposições não mencionadas, referentes
não apenas à organização social da sociedade como à estrutura
psicológica dos seres humanos que estão sendo estimulados e estão
reagindo à mensagem da comunicação de massa. É importante entender
o alcance total dessas suposições implícitas porque foi graças à sua
sistemática substituição ou modificação que foram criadas teorias mais
modernas do processo da comunicação de massa. À medida que se
tornaram disponíveis novas concepções referentes à natureza do ser
sociedade de massa e teoria da bala mágica 181
humano individual e da sociedade, elas foram empregadas para modificar
a teoria básica da comunicação de massa pela introdução de variáveis
intervenientes entre o lado do estímulo da equação estímulo-resposta e o
lado da resposta.
Este primeiro conjunto de crenças acerca da natureza e do poder da
comunicação de massa nunca foi realmente formulado na época através
de uma afirmação sistemática por qualquer estudioso da comunicação,
mas retrospectivamente veio a ser chamado ‘‘teoria da bala mágica’’.
(Também foi denominado outras coisas pitorescas, tais como ‘‘teoria da
agulha hipodérmica’’ e ‘‘teoria da correia de transmissão’’.) A ideia
fundamental é que as mensagens da mídia são recebidas de maneira
uniforme pelos membros da audiência e que respostas imediatas e diretas
são desencadeadas por tais estímulos.
Em vista das perspectivas mais requintadas de hoje acerca do
processo da comunicação de massa (que discutiremos adiante), a teoria
da bala mágica pode afigurar-se ingênua e simples. Contudo, havia mais
em suas suposições do que autores como Katz e Lazarsfeld insinuaram:
‘‘a onipotente mídia, por um lado, aguardando recebê-la — e nada de
permeio [o grifo é nosso]’’.23 Houve suposições muito bem definidas
acerca do que ocorria nesse processo em matéria de psicologia individual.
Essas suposições talvez não tenham sido formuladas explicitamente na
época, mas foram extraídas de teorias razoavelmente bem elaboradas
sobre a natureza humana, assim como sobre a ordem social (que já
examinamos). Foram tais teorias que orientaram o pensamento daqueles
que encararam a mídia como sendo poderosa.
A Teoria da Bala Mágica como Corolário de Postulados Básicos
Quais foram as suposições psicológicas de onde se orientou a teoria da
bala mágica? Com efeito, tais suposições foram extraídas de uma combinação
dos paradigmas psicológicos mencionados no Capítulo 1. Ainda
assim, eles eram de forma menos sofisticada do que são hoje em dia. Por
exemplo, durante a Primeira Guerra Mundial, e sob a influência de
Darwin, a psicologia do instinto esteve no auge. Não foi senão ao término
da década de 1920 que os fatos da mutabilidade e variabilidade individual
humana começaram a tornar-se demonstráveis com o emprego de novos
testes mentais e outras técnicas de pesquisa. Em consequência, a imagem
do Homo sapiens, representada pelas obras de William McDougall e seus
contemporâneos, foi posta em séria dúvida. Anteriormente admitia-se que
o comportamento de um dado indivíduo fosse governado, em considerável
parte, por mecanismos biológicos herdados, de certa complexidade, que
182 os efeitos da comunicação de massa
intervinham entre os estímulos e as reações. Consequentemente, a natureza
humana básica foi considerada razoavelmente uniforme de um ser
humano para outro. As pessoas herdavam (conforme as teorias) mais ou
menos o mesmo conjunto complexo de mecanismos biológicos incorporados,
que os dotavam de motivações e energias para reagir a dados
estímulos de dadas maneiras. Foi grande a agitação sobre a natureza não
racional ou emocional de tais mecanismos, particularmente entre teóricos
de tendência psicanalítica. Mas mesmo estas eram, em última análise,
forças herdadas (p. ex., a libido), que cada pessoa recebia ao nascer em
graus mais ou menos uniformes. A psicologia das diferenças individuais
não progredira a ponto onde um interesse absorvente por aprender se
formaria entre psicólogos acadêmicos como meio de responder por tais
diferenças.
Dada uma visão de uma natureza humana básica uniforme, com
destaque para processos não racionais, mais uma visão da ordem social
como sociedade de massa, a teoria da bala mágica, baseada em mecanismos
instintivos E-R (Estímulo-Reação) e a crença de que a mídia se
compunha de poderosos recursos, parecia inteiramente válida: enunciou
que estímulos poderosos eram uniformemente atendidos pelos membros
individuais da massa. Tais estímulos drenavam impulsos, emoções ou
outros processos íntimos sobre os quais o indivíduo exercia escasso
controle voluntário. Devido à natureza herdada desses mecanismos, cada
pessoa reagia mais ou menos uniformemente. Outrossim, havia poucos
vínculos sociais sólidos para cortar a influência de tais mecanismos
porque o invidíduo se achava psicologicamente isolado de laços sociais
robustos e de um controle social informal. O resultado foi que os membros
da massa podiam ser balançados e influenciados pelos que dispusessem
da mídia, especialmente recorrendo a apelos emocionais.
Assim, o ponto de vista da bala mágica era completamente coerente
com a teoria geral, tanto da sociologia quanto da psicologia, conforme
desenvolvida até aquela época. Além do mais, havia o exemplo do
tremendo impacto da propaganda de tempo de guerra. Esta parecia oferecer
prova válida de que a mídia era poderosa exatamente da maneira tão
espetacularmente descrita por Lasswell quando concluiu ser ela o ‘‘novo
malho e bigorna da solidariedade social’’.24 Havia igualmente os fatos
aparentemente indisputáveis, da propaganda de massa da época, de a
mídia ser capaz de convencer as pessoas a comprarem mercadorias em
quantidades e variedade até então jamais sonhadas. Essa crença, aliada à
convicção do grande poder, reforçou a aparente validade da teoria da bala
mágica.25
Não há dúvida quanto ao fato de a propaganda da Primeira Guerra
Mundial ter sido eficaz. Contudo, não quer dizer que só uma teoria é capaz
sociedade de massa e teoria da bala mágica 183
de explicar tais efeitos. Se estudiosos da época tivessem a seu dispor os
resultados da pesquisa e meditação acerca da comunicação de massa que
se acumularam desde então, poderiam ter escolhido explicações bastante
diferentes para o fato de a população dos Estados Unidos entrar na guerra
com entusiasmo, alimentar uma série de convicções irrealistas acerca do
inimigo, e assim sucessivamente, e de a mídia haver desempenhado um
papel na formação do comportamento e crenças dela.
Teorias acerca da natureza humana, em função tanto da ordem social
quanto da organização pessoal, não permaneceram estáticas. Nos Estados
Unidos, tanto a psicologia quanto a sociologia ficaram mais firmemente
consagradas e escaparam cada vez mais à dominação dos modos de pensar
de sua origem europeia. Ambos os setores tornaram-se seriamente interessados
na pesquisa empírica. Em consequência, suas teorias foram
obrigadas a ser mais minuciosamente cotejadas com a realidade. Daí
resultou que muitas ideias anteriores foram abandonadas, sendo apresentadas
outras novas. Inevitavelmente, as novas orientações teóricas
exerceram impacto sobre os que tentavam compreender os efeitos da
comunicação de massa. A teoria da bala mágica fora construída com base
em postulados não mais aceitos como sustentáveis pelos teóricos em
geral, e, consequentemente, a teoria — um tanto relutantemente — teve
de ser abandonada por estudiosos da mídia de massa. Entrementes, havia
pouco com que a substituir. Contudo, mesmo enquanto mais novos paradigmas
gerais estavam sendo concebidos para descrever a natureza humana
e a natureza da ordem social mais adequadamente, o próprio campo da
comunicação de massa adquiria uma base empírica. Durante o final da
década de 1920 e início da de 1930, eruditos interessaram-se pelos
veículos de comunicação de massa como objetos de pesquisa. Começavam
a afastar-se da mera especulação acerca dos seus efeitos, voltando-se
para estudos sistemáticos do impacto de um conteúdo da comunicação
sobre determinados tipos de pessoas. Conforme se tornava disponível
maior variedade de instrumentos de pesquisa, suas ideias acerca da comunicação
de massa puderam ser mais adequadamente comparadas com
conclusões. Assim, o campo da comunicação de massa começou a acumular
um acervo de dados de onde obter concepções e propostas formuladas
indutivamente. Conforme o capítulo seguinte indica, opiniões mais recentes
sobre a mídia dão maior destaque a fatores sociais e culturais que
limitam seu funcionamento e poderio.

área urbana é definida como
‘‘má’’. Embora, porém, muitos tenham especulado nessas direções, nossa
missão atual é extrair de autores do século XIX, como Tönnies, ideias que
iriam influenciar os que voltaram sua atenção para a avaliação do impacto
dos novos veículos de comunicação na sociedade. Tal como um acúmulo
de teorias e invenções das ciências naturais conduzira à base física sobre
as quais se desenvolveram os próprios veículos, a acumulação de ideias
sociológicas referentes à natureza da ordem social contemporânea contribuiu
com o fundamento de ideias sobre as quais foram tentadas as
interpretações da mídia quando os veículos se tornaram realidade.
Análise da Divisão do Trabalho por Durkheim
Antes de conjugar os vários conceitos que examinamos em algum tipo de
imagem teórica composta da sociedade, conforme encarada ao término do
século XIX, há mais um autor cujas ideias foram de particular significação.
Perto do final do período (1893), Émile Durkheim publicou Divisão
Social do Trabalho. Nessa importante obra, congregou os diversos temas
correlatos que anotamos acima das obras de Comte, Spencer e Tönnies.9
Solidariedade Mecânica versus Orgânica. A finalidade global da prolongada
análise de Durkheim foi revelar como a divisão do trabalho de
sociedade de massa e teoria da bala mágica 173
uma sociedade era a principal fonte de solidariedade social nessa sociedade,
e que à medida que a divisão do trabalho fosse alterada (como, por
exemplo, graças à evolução social), as forças unificadoras da sociedade
sofreriam mudança correspondente. A solidariedade diz respeito aos tipos
de vínculos psicossociais que unem os membros, e malgrado Durkheim
empregasse terminologia muito diferente, estava se voltando, grosso
modo, ao mesmo problema genérico que Tönnies. Por divisão do trabalho,
Durkheim tinha em mente mais do que o grau de especialização na
instituição econômica:
(Devemos indagar) se a divisão do trabalho... em sociedades contemporâneas, onde
se desenvolveu como sabemos... não teria como função a integração do corpo social
a fim de garantir a unidade. É bem legítimo admitir... que grandes sociedades políticas
podem manter-se em equilíbrio somente graças à especialização de tarefas, que a
divisão do trabalho é a fonte, se não única pelo menos a principal, da solidariedade
social. Comte adotou este ponto de vista. De todos os sociólogos, ao que saibamos,
ele foi o primeiro a identificar na divisão do trabalho algo mais do que mero fenômeno
econômico. Viu nisso ‘‘a mais essencial condição da vida social’’, admitindo que se
a concebe ‘‘em toda sua extensão racional; o que quer dizer, que a divisão do trabalho
se aplica à totalidade de todas as nossas diferentes operações, sejam lá de que natureza
forem, ao invés de atribuí-la, como é feito comumente, a meras utilizações materiais.’’
10
Para mostrar as implicações sociais da divisão do trabalho, Durkheim
contrastou solidariedade mecânica com orgânica. Solidariedade
mecânica é a que une pessoas que são essencialmente idênticas. Graças à
sua vida em comum, e na presença de mera divisão rudimentar da mãode-
obra, os membros de uma dada população elaboram uma série de
crenças, valores e outras orientações a que são intensa, comum e uniformemente
devotados. Na medida em que essas orientações sejam verdadeiramente
características de cada membro, resta escassa base para a
expansão da individualidade extensivamente. Onde há pouca ou nenhuma
divisão do trabalho, as pessoas não só agem de maneiras semelhantes,
sugeriu Durkheim, como também pensam e sentem de maneiras semelhantes.
Nesse tipo de sociedade, ‘‘a solidariedade só pode crescer na
razão inversa da personalidade’’, porque personalidade é o que distingue
uma pessoa da outra. ‘‘Se temos um desejo forte e intenso de pensar e
agir por nós mesmos, não podemos ser fortemente propensos a pensar e a
agir como outros fazem.’’11 No caso extremo, toda a individualidade
submergiria, e os membros da sociedade seriam completamente homogêneos
em sua organização psíquica pessoal. Em tal caso admitidamente
teórico, os membros da sociedade seriam completamente uniformes em
suas ações.
174 os efeitos da comunicação de massa
As moléculas sociais que possam ser coerentes desta maneira só podem agir juntas
na medida em que não possuam ações próprias, como as moléculas de corpos
inorgânicos. Por isso, propomos chamar isso de solidariedade mecânica. O nome não
significa que ela seja produzida por meios mecânicos e artificiais. Chamamo-la assim
só por analogia com a coesão que une os elementos de um corpo inanimado, em
contraste com a que faz a unidade dos elementos de um corpo vivo.12
É perfeitamente óbvio que nenhuma sociedade jamais se caracterizou
completamente por este gênero de organização social. A ideia de
solidariedade mecânica, como base para unir membros de uma coletividade
ao conjunto, é proposta desta maneira como um construto abstrato
antes do que como uma descrição que supostamente retrate a realidade
com total precisão. O mesmo pode ser dito acerca da segunda concepção
importante de Durkheim, a solidariedade orgânica. Tomadas em conjunto,
todavia, as duas oferecem uma terceira moldura interpretativa, útil para a
compreensão do surto da sociedade moderna.
Se a solidariedade mecânica baseia-se na homogeneidade, então a
solidariedade orgânica baseia-se na heterogeneidade. Em uma sociedade
com uma bem desenvolvida divisão do trabalho, todas as pessoas desempenhando
encargos especializados dependem das outras cujas atividades
sejam coordenadas com as suas. Spencer elaborara com extraordinária
minúcia os paralelos entre organismos e sociedade como sistemas unificados
de partes funcionando reciprocamente. Durkheim viu a dependência
mútua produzida pela dependência, e identificou-a como um tipo de
força social que obrigava os membros de uma sociedade a juntos formarem
um todo de funcionamento mais ou menos harmonioso. O fator
importante, porém, é que a divisão do trabalho, que gera solidariedade
orgânica, também incrementa grandemente o grau de individualidade e
diferenciação social dentro da sociedade:
Enquanto o tipo anterior (de solidariedade) subentende que os indivíduos se pareçam
uns com os outros, este tipo pressupõe sua diferença. O primeiro só é possível na
medida em que a personalidade individual seja absorvida na personalidade coletiva;
o segundo só é possível se cada um possui uma esfera de ação que lhe seja peculiar
— isto é uma personalidade. É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe
aberta a parte da consciência individual a fim de funções especiais poderem ser
instaladas ali, funções que ela não possa regular. Quanto mais seja expandida essa
região, tanto mais forte será a coesão resultante de tal solidariedade.13
Isolamento Psicológico. Durkheim prosseguiu para mostrar como o
crescimento da divisão do trabalho agrava a dependência de cada
pessoa especializada em relação às demais, mas isso não quer dizer que
tal crescente heterogeneidade conduza a consenso de pensamento. Pelo
contrário: ‘‘Cada indivíduo adquire cada vez mais seu próprio modo
de pensar e de agir, e submete-se menos completamente à união corposociedade
de massa e teoria da bala mágica 175
rativa comum.’’14 Assim, embora num sentido as pessoas altamente
especializadas estejam presas em uma teia de dependência funcional
com relação a outras, ao mesmo tempo se acham isoladas num sentido
psicológico, pois as especializações conduzem-nas a desenvolver individualidade
cada vez maior.
Durkheim também observou que a evolução da sociedade para
forma mais complexa conduz a um crescimento dos relacionamentos
sociais, do mesmo gênero que Tönnies chamou Gesellschaft: ‘‘É bem
verdade que relações contratuais, que eram inicialmente raras ou quase
ausentes, multiplicam-se à medida que o trabalho social se torna dividido.’’
15 Destarte, um aumento na divisão do trabalho resulta não só em
aumentar a heterogeneidade individual, como em introduzir em número
cada vez maior de relacionamentos mais formais e segmentados entre as
pessoas.
Anomia. Finalmente, Durkheim viu que, sob dadas circunstâncias, a
divisão do trabalho podia resultar no que ele denominou ‘‘formas patológicas’’.
‘‘Conquanto normalmente’’, disse ele, ‘‘a divisão do trabalho
produza solidariedade social, ocorre que às vezes tenha resultados diferentes,
e até mesmo contrários’’.16 Se funções sociais, isto é, partes da
estrutura orgânica, não se acham bem articuladas umas com as outras, a
solidariedade orgânica pode falhar. Crises comerciais, depressões, discórdia
entre mão-de-obra e administração, sublevações civis, tumultos, demonstrações
e protestos por subgrupos constituem vários exemplos.
Assim, a própria divisão do trabalho que produz harmonia até certo
ponto, contém as sementes da desarmonia social se levada além desse
certo ponto. Essa, é claro, foi (como Durkheim assinalou) a tese de
Augusto Comte. Um tal estado de desarmonia, Durkheim denominou
anomia. Esta é uma patologia do organismo social decorrente da divisão
do trabalho ficar complicada a um ponto tal que os indivíduos não sejam
mais capazes de efetivamente relacionar-se uns com os outros.
A diversidade funcional induz uma diversidade moral que nada pode impedir, e é
inevitável que uma deva crescer na mesma medida que a outra. Sabemos, ademais,
por que esses dois fenômenos evoluem de forma paralela. Sentimentos coletivos ficam
cada vez mais importantes para manter unidas as tendências centrífugas que a divisão
do trabalho é acusada de gerar, pois tais tendências crescem à medida que a mão-deobra
seja mais fracionada, e, ao mesmo tempo, os sentimentos coletivos se enfraqueçam.
17
Em suma, à medida que a sociedade vai ficando cada vez mais
complexa — enquanto os membros da sociedade ficam mais preocupados
com seus próprios interesses e desenvolvimento — perdem a capacidade
176 os efeitos da comunicação de massa
para se identificar e se sentir em comunhão com outros. Acabam se
tornando uma coletividade de indivíduos psicologicamente isolados, interagindo
uns com os outros mas orientados para dentro, e vinculados
entre si sobretudo por laços contratuais.

Nossos capítulos anteriores traçaram a evolução da comunicação humana
desde a antiguidade até o presente. Argumentamos que os seres humanos
passaram por diversas etapas de comunicação distintas em sua progressão
evolutiva. A um ritmo cada vez mais acelerado, passaram da era dos
símbolos e sinais para etapas sucessivas em que foram adquiridas a fala
e a linguagem. Acabaram conquistando a capacidade de escrever, em
seguida a de imprimir, e, afinal, venceram tempo e distância em nossa
atual era de aperfeiçoados veículos de comunicação de massa.
Uma conclusão importante a respeito dessas transições foi que cada
uma delas teve ‘‘efeitos’’ significativos. Quer dizer, cada uma acarretou
alterações importantes tanto no pensamento humano, no plano individual,
quanto no desenvolvimento cultural, no coletivo. Assim como o aparecimento
da fala deu a nossos primitivos ancestrais uma vantagem enorme
sobre seres humanos anteriores, o sucessivo surto da escrita, da impressão
e da comunicação contemporânea de massa deu aos seres humanos das
ulteriores eras relevantes vantagens sobre seus antecessores. Assim, à
medida que cada era fundiu-se na seguinte, o pensamento humano tornouse
mais elaborado e a cultura crescentemente complexa.
O processo da evolução tecnológica, social e cultural não está,
de maneira alguma, encerrado. Continuamos a desenvolver nossa tecnologia,
e nossa capacidade de comunicação é dilatada por tais progressos.
Em capítulos anteriores, delineamos a forma pela qual cada
um de nossos principais veículos de comunicação baseou-se em um
continuamente crescente domínio dos princípios científicos e aplicações
práticas. Isso possibilitou um incrível número de aparelhos e
veículos que alteraram a forma pela qual nos comunicamos. Eles se
estenderam desde a prensa de Gutenberg até a mais recente rede de
163
televisão via satélites. Evidentemente, de um ponto de vista tecnológico,
a mídia de massa prosseguirá num processo evolutivo.
Ao mesmo tempo, as próprias sociedades sofrem contínuas modificações.
Não são sistemas sociais completamente estáveis; os costumes do
passado modelam os padrões sociais do futuro. Mas o poder da tradição
não é rígido nas modernas sociedades urbano-industriais. Adotam-se
novidades; conflitos surgem e são resolvidos; manias e modas surgem e
somem; movimentos sociais trazem perspectivas inéditas; problemas sociais
aparecem e são encarados; e a ordem social é modificada conforme
cada uma dessas influências. Nenhuma geração é exatamente igual
à que a precedeu, seja psicologicamente ou em função das características
sociais.
Por isso, como tanto a tecnologia da comunicação quanto a ordem
social se acham em constante processo de mudança, há toda razão para
desconfiar que as influências da mídia de massa na sociedade não serão
as mesmas de uma época para outra. Por conseguinte, é difícil descrever
regularidades ou formular explicações acerca dos efeitos da comunicação
de massa que sejam válidas para todos os cidadãos em todas as épocas.
Todavia, a essência da ciência é que ela busca verdades duradouras. A
pesquisa científica visa descrever relacionamentos ordenados entre fenômenos,
assim como desenvolver explicações de como alguns eventos
influenciam ou levam outros a produzir modelos e regularidades. Por
outras palavras, a ciência busca princípios imutáveis. Evidentemente, não
se trata de uma missão fácil no caso dos efeitos da comunicação de massa
sobre as pessoas, devido à natureza evolutiva da mídia por um lado, e da
sociedade por outro.
A despeito destas dificuldades, desde o início da era de comunicação
de massa os estudiosos buscaram entender as influências dos veículos
sobre suas audiências. O resultado dessa busca tem sido uma série de
formulações que tentam descrever, explicar e predizer o que ocorrerá
quando dadas categorias de pessoas forem expostas a formas específicas
de conteúdo da mensagem via determinado veículo de comunicação de
massa.
Os capítulos restantes deste livro apresentarão uma breve recapitulação
de tais formulações. Não é missão fácil. A evolução da teoria na
comunicação de massa não obedeceu a um plano ordenado. Com efeito,
aquilo de que dispomos hoje emergiu de uma busca caótica e descoordenada
por diversas disciplinas de diferentes espécies de princípios, levada
a cabo por estudiosos que investigaram os efeitos da comunicação de
massa, visando diferentes finalidades.
Quiçá o único elo unificador, dentre as várias explicações que
constituem nossa herança intelectual no estudo da comunicação de massa,
164 os efeitos da comunicação de massa
seja o fato de cada uma das principais teorias estar fundada, direta ou
indiretamente, nas concepções básicas do indivíduo humano ou da ordem
social, oferecidas pelas diversas ciências sociais. Destarte, temos teorias
de influência da mídia baseadas em paradigmas psicológicos, sociológicos
e antropológicos. A esses, podem-se acrescentar as contribuições do
historiador, do economista, do cientista político e do jurista — todos os
quais colaboraram para nossa compreensão atual da comunicação de
massa.
Embora as explicações da influência da comunicação de massa
estejam alicerçadas nos paradigmas gerais das ciências sociais, as linhas
de influência entre as duas não foram de forma alguma perfeitamente
esclarecidas.1 Frequentemente, estudiosos da mídia reinventam a roda
quando não se dão conta de que determinada forma de comportamento
tem sido estudada há décadas pelas ciências sociais. Por outro lado,
amiúde os cientistas sociais têm ignorado jovialmente o papel da comunicação
de massa ao adotarem paradigmas que relacionam símbolos,
comunicação, a ordem social e o comportamento individual. Não obstante,
as linhas de influência estão ali, embora às vezes seja difícil delineálas.
Para nossos fins atuais, é importante mostrar algumas das maneiras
pelas quais os estudiosos da comunicação de massa foram influenciados
por paradigmas mais gerais atinentes à natureza psicológica e sociológica
dos seres humanos. Malgrado esta influência às vezes tenha sido não
premeditada e indireta, rastrear essas vinculações quiçá possa esclarecer
em parte por que os estudiosos da mídia se concentraram nos conceitos,
tópicos e problemas específicos que integram a substância da teoria da
comunicação de massa, tanto no passado quanto no presente.
Este capítulo aborda especificamente as formulações mais remotas
que caraterizam o pensamento a propósito das influências da comunicação
de massa. Apesar dessas formulações serem agora encaradas como obsoletas,
possuem grande importância, além de serem meras curiosidades
históricas. Elas nos ajudam a entender as teorias da comunicação de massa
que se seguiram e substituíram as formulações iniciais. As segunda e
terceira gerações de teorias da comunicação de massa — que serão
focalizadas em capítulos posteriores — sob muitos aspectos foram reações
contra os postulados das formulações primitivas, e para compreender
as explicações de hoje é necessário começar do princípio.
Durante as primeiras décadas deste século, a mídia estava na infância.
Mesmo assim, o público alarmou-se quanto ao que essas novas formas
de comunicação — jornais diários, filmes de cinema e radiodifusão —
estavam lhe causando, a seus filhos e aos vizinhos. Foi nessa época que
teorias sociológicas acerca da natureza da sociedade destacaram o conceito
de massa como forma de relacionamentos humanos interpessoais
sociedade de massa e teoria da bala mágica 165
que caracterizava a emergente ordem social urbano-industrial. Foi dessa
maneira de pensar que obtivemos concepções da sociedade de massa e,
consequentemente, da comunicação de massa. Nossa primeira missão, por
conseguinte, é entender as origens e a natureza desse conceito fundamental.
O PARADIGMA EVOLUTIVO
E O CONCEITO DE SOCIEDADE DE MASSA
A sociedade é vasta e organizada. Também parece tornar-se mais complexa.
Estas duas observações elementares foram os fundamentos de onde
evoluíram os sistemas de pensamento dos fundadores da sociologia. A
especulação acerca da natureza da ordem social — maneira pela qual ela
está mudando ou como poderia ser aperfeiçoada — havia sido o tema da
literatura filosófica desde o começo do registro da experiência humana.
Entretanto, a fundação da sociologia como disciplina sistemática especificamente
devotada ao estudo dos processos societários, não ocorreu antes
da primeira metade do século XIX, aproximadamente ao mesmo tempo
em que Benjamin Day começou a vender seu jornal nas ruas de Nova York
a um tostão o exemplar.
O Conceito de Augusto Comte sobre o Organismo Coletivo
Geralmente credita-se a Augusto Comte ter dado nome ao novo campo de
conhecimentos, e também foi ele quem advogou a aplicação do Método
Positivo (Científico) ao estudo da sociedade. As principais contribuições
de Comte para a missão de estudar cientificamente fenômenos sociais
foram mais filosóficas do que substanciais. Não obstante, com efeito
incluiu em suas volumosas obras um conceito orgânico de sociedade,
largamente empregado por sociólogos pioneiros.
O conceito de sociedade como um organismo não foi originado por
Comte, mas ele o tornou um postulado fundamental. O significado dessa
ideia é que dela decorrem importantes consequências. Em termos singelos,
a sociedade pode ser encarada como um tipo particular de organismo, qual
seja um organismo coletivo. Isso não queria dizer para Comte existir
apenas uma grosseira analogia entre a organização de um determinado
organismo biológico, tal como uma determinada planta ou animal, e a
sociedade humana. Comte admitiu que a sociedade era um organismo por
direito próprio. Viu que ela possuía estrutura, tinha partes especializadas
funcionando juntas, que o todo era algo mais do que a soma de suas partes,
166 os efeitos da comunicação de massa
e que passava por mudança evolutiva. Essas características eram de
organismos em geral, e, assim, a sociedade podia ser adequadamente
classificada como tal, com o reconhecimento de que ela difere de outras
variedades específicas de organismos.
O Papel da Especialização. Comte maravilhou-se ante a grande diversidade
de tarefas, metas e funções características de uma sociedade e
comentou sobre como cada indivíduo e grupo pode parecer estar buscando
fins particulares e o resultado global ser, no entanto, o de um sistema
funcionando harmoniosamente. Um dos princípios fundamentais da estruturação
da sociedade (como organismo) que responde por tal situação
interessou-o enormemente. Tal princípio foi a especialização. A divisão
de funções que as pessoas assumem voluntariamente, achou ele, era a
chave não só para a contínua estabilidade da sociedade como também para
sua possível desorganização.
A principal causa da superioridade do organismo social sobre o individual é, consoante
lei consagrada, a mais pronunciada especialização das várias funções atendidas por
órgãos cada vez mais separados, porém interligados; de sorte que a unidade de meta
é cada vez mais combinada com a diversidade de meios. Não podemos, é claro,
apreciar plenamente um fenômeno que está sempre ocorrendo perante nossos olhos,
e de que participamos; mas, se em pensamento nos apartarmos do sistema social, e o
contemplarmos de longe, poderemos conceber um mais maravilhoso espetáculo, na
série inteira dos fenômenos naturais, do que a regular e constante convergência de
uma incontável multidão de seres humanos, cada um dotado de existência diferente
e, em certa medida, independente, e no entanto incessantemente disposta, em meio a
toda a discordância de talento e caráter, a concorrer de muitas formas para o mesmo
desenvolvimento geral, sem combinação, e até mesmo sem consciência da parte da
maioria deles, que acreditam estar seguindo meramente seus impulsos pessoais?...
Esta reconciliação da individualidade do trabalho com a cooperação de empenhos,
que fica mais notável à medida que a sociedade se torna mais complexa e dilatada,
constitui o caráter radical das operações humanas (no plano societário).2
Comte viu grande harmonia e estabilidade, pois, pelo fato de os
indivíduos assumirem funções especializadas. Achou que inevitavelmente
tais atividades especializadas contribuiriam para o equilíbrio geral da
sociedade na qual ‘‘todas as organizações individuais, mesmo as mais
repreensíveis e imperfeitas (excetuando as monstruosas), poderiam afinal
ser utilizadas para o bem comum’’.3
As Consequências da Superespecialização. Comte também viu risco na
especialização excessiva. Deve ser acrescentado que este tópico é de
considerável significação para o estudante da comunicação de massa,
porque a mesma ideia foi empregada por teóricos posteriores para criar o
conceito da sociedade de massa, conceito esse que foi de importância
sociedade de massa e teoria da bala mágica 167
central no pensamento inicial acerca da mídia. O mais importante elemento
desta ideia foi que a organização social ineficaz deixava de contribuir
com os elos adequados entre indivíduos a fim de manter um sistema
integrado e estável de controle social. Este tema é claramente enunciado
por Comte:
Alguns economistas assinalaram, mas de forma muito inadequada, os males de uma
exagerada divisão do trabalho material, e indiquei, com referência ao setor mais
importante do trabalho científico, as perniciosas consequências intelectuais do espírito
de especialização hoje em dia predominante. É necessário estimar diretamente o
princípio de uma influência assim, a fim de compreender o objetivo do sistema
espontâneo de requisitos para a contínua preservação da sociedade. Ao decompor,
sempre dispersamos; e a distribuição dos afazeres humanos tem de ocasionar divergências
individuais, tanto intelectuais quanto morais, que exigem permanente disciplina
para mantê-los dentro de limites. Se a separação das funções sociais cria um útil
espírito de grupo, por um lado, por outro tende a extinguir ou restringir o que podemos
chamar de espírito geral ou agregado.4
Comte prosseguiu discutindo extensiva e criticamente as possíveis consequências
de uma expansão exagerada da divisão de trabalho. Achou que
quanto mais os indivíduos diferissem uns dos outros em sua posição
dentro do sistema social, tanto maior seria sua dificuldade para entender
as outras pessoas. Percebeu que pessoas com a mesma especialidade
criariam vínculos umas com as outras, mas ficariam alienadas dos demais
grupos. ‘‘Assim é que o princípio único pelo qual a sociedade em geral
pode ser desenvolvida e ampliada, ameaça, por outro lado, decompor-se
em uma multidão de corporações desvinculadas, que quase parecem não
pertencer à mesma espécie.’’5
Conforme o organismo societário evolui (de acordo com este paradigma),
ele cria harmonia e estabilidade graças à sua divisão do trabalho.
Ao mesmo tempo, existe a possibilidade de o superdesenvolvimento poder
conduzir à desorganização e ao declínio, por solapar as bases para uma
efetiva comunicação entre as partes individuais do organismo. Dado o
postulado da natureza orgânica da sociedade, o conceito de especialização
de função daí decorre por definição. Um grau crescente de tal especialização,
todavia, conduz a uma crescente diferenciação social. Se tal
diferenciação atinge um ponto em que fiquem ameaçados os vínculos
efetivos entre partes do sistema, então o equilíbrio e harmonia do organismo
também são ameaçados. Este tema reaparece nas obras de teóricos
posteriores e é um dos pontos básicos para início da discussão de
sociedade de ‘‘massa’’. O relacionamento entre esta ideia e a comunicação
de ‘‘massa’’ será esclarecido.
Deve-se recordar que Comte elaborou suas ideias acerca da natureza
da sociedade durante a década de 1830, antes de a revolução industrial ter
alcançado amplo impacto na Europa. Comte sentiu de certa maneira a
168 os efeitos da comunicação de massa
ameaça da possibilidade de um crescente nível de especialização na
sociedade que viu diante de si. Mas teóricos sociais que vieram depois
confrontaram-se com a realidade de um grande aumento da divisão de
trabalho em consequência da nova industrialização. Pouco é de admirar
que ficassem fundamente impressionados com as implicações disso.
Analogia Orgânica de Herbert Spencer
A especulação acerca da natureza orgânica da sociedade e suas consequências
constituiu apenas pequena parte da obra de Comte. O segundo
fundador da moderna Sociologia, Herbert Spencer, adotou o conceito
orgânico com grande força e em grande profundidade. Spencer, como
Comte, era primordialmente um filósofo e estava preocupado com a
ciência como meio de conseguir conhecimento válido. Essa preocupação
levou-o a formular o que imaginou serem os mais importantes princípios
que a ele se afiguravam impregnar todas as ciências. Suas famosas leis da
evolução (de que Darwin tirou inspiração) foram amplamente expostas
em sua obra Primeiros princípios, publicada em 1863, mais de vinte anos
após Comte haver concluído sua Filosofia positiva.
Spencer aplicou seus conceitos evolucionários ao estudo da sociedade
e escreveu Os princípios da sociologia, em quatro volumes, entre
1876 e 1896. Há muitas analogias entre os dois escritores, mas Spencer
alega que suas próprias ideias foram elaboradas independentemente das
de Comte. De qualquer forma, a teoria da sociedade concebida por
Spencer em grande minúcia foi puramente orgânica. Após definir a sociedade
como um sistema funcional, ele estudou extensivamente a ordem
social em termos de crescimento, estruturas, funções, sistemas de órgãos,
e assim sucessivamente, expondo uma analogia extremamente complicada
entre sociedades e um organismo individual.
A divisão do trabalho foi parte assaz importante desta análise e foi
encarada como o fator unificador básico que mantinha unidos os elementos:
A divisão do trabalho, a princípio encarada por economistas políticos como um
fenômeno social, e ulteriormente reconhecida por biólogos como um fenômeno de
seres vivos a que denominaram a ‘‘divisão fisiológica do trabalho’’, é aquela que, na
sociedade, tal qual no animal, faz dela um todo vivo. Dificilmente eu poderia ressaltar
a verdade acerca deste traço fundamental, que um organismo social e um organismo
individual são inteiramente similares...
[A sociedade] experimenta um contínuo crescimento. Ao crescer, suas partes
ficam diferentes: ela exibe aumento de estrutura. As partes dessemelhantes simultaneamente
assumem atividades de diferentes gêneros. Essas atividades não são meramente
diferentes, mas suas diferenças estão relacionadas de modo a tornar uma e outra
sociedade de massa e teoria da bala mágica 169
possível. A ajuda recíproca, então, provoca dependência mútua das partes. E as partes
mutuamente dependentes, vivendo de e para a outra, formam um agregado constituído
segundo o mesmo princípio geral, como um organismo individual.6
Spencer, porém, não deu o passo seguinte para contemplar as possíveis
dificuldades para a sociedade, capazes de ocorrer se a especialização fosse
longe demais. Estava convencido de que o processo mais fundamental da
natureza era a evolução e que esta era natural e, por conseguinte, boa. As
grandes mudanças que observou na sociedade inglesa, com a chegada da
ordem industrial, ele encarou como um desabrochar da sociedade conforme
as leis da evolução natural. Sugerir que mudanças sociais acarretadas
pela evolução natural pudessem ser indesejáveis era impensável. Sustentou
estas maneiras de ver tão ferrenhamente que se tornou convicto de que
qualquer interferência na evolução natural da sociedade era completamente
injustificada e fadada a ter consequências desastrosas. Opôs-se
acerbadamente a legislação destinada a qualquer forma de aperfeiçoamento
social, sob o pretexto de que a natureza queria que os melhores
sobrevivessem, e que a longo prazo a sociedade seria beneficiada. Enquanto
Comte advogava a mudança social planejada, Spencer sustentou
vigorosamente uma política de quase total laissez-faire.
Mesmo assim, pode-se ver que os dois principais fundadores da
Sociologia conceberam modelos evolucionários orgânicos semelhantes
da ordem social e que ambos postularam um processo conducente à
crescente diferenciação social. Um fazia sérias restrições às possíveis
consequências de superespecialização, e o outro tinha graves reservas
acerca de qualquer tentativa de interferência no que encarava como a
evolução natural da sociedade. Nenhum teve qualquer ampla estimativa
das mudanças fundamentais da estrutura da ordem social que adviriam
com o século XX. Comte, escrevendo às vésperas da revolução industrial,
e Spencer, durante a fase inicial desta, não puderam prever que o próprio
tecido da sociedade seria modificado pela convulsão da instituição econômica
acarretada pelo sistema fabril e pela nova ordem econômica. A
mesma aceleração da ciência, que deu lugar à mídia da comunicação de
massa e que deveras incitou esses dois filósofos a fundarem uma ciência
da sociedade, também moldou as forças da nova organização industrial
dessa mesma sociedade. O impacto da nova ordem iria ser sentido em
todos os recantos do mundo.
A Teoria dos Vínculos Sociais de Tönnies
Outra importante formulação teórica veio da província de Schleswig-
Holstein na Alemanha. Em 1887, um jovem daquela região, chamado
170 os efeitos da comunicação de massa
Ferdinand Tönnies, produziu uma análise sociológica teórica denominada
Gemeinschaft und Gesellschaft. Nessa obra, ele opôs dois tipos contrastantes
de organização societária — um pré-industrial e o outro, em grande
parte, um produto da industrialização. Em sua análise da natureza da
sociedade, Tönnies concentrou-se menos em analogias orgânicas, ou nas
possíveis consequências da especialização, e focalizou a atenção nos tipos
de vínculos sociais existentes entre membros de sociedades e grupos, em
dois tipos bem distintos de organização social.
Gemeinschaft versus Gessellschaft. O termo Gemeinschaft não é facilmente
traduzível. A palavra ‘‘comunidade’’ é amiúde oferecida como seu
equivalente, mas a complexidade da acepção de Tönnies não é bem
apreendida por tal singela tradução. A ideia de Gemeinschaft é melhor
esclarecida sugerindo-se alguns dos tipos de vínculos interpessoais nela
incluídos. Os laços e sentimentos existentes entre os membros de uma
família normal oferecem um exemplo, mas a ideia ultrapassa os laços de
família. Os membros de uma determinada aldeia, ou mesmo de uma dada
pequena sociedade, podem ser encarados como caracterizados por Gemeinschaft.
Esse gênero de relacionamento pode se formar por estarem as
pessoas relacionadas entre si pelo sangue e se respeitarem mutuamente;
pode ser gerado por estarem as pessoas unidas por tradição a determinado
lugar onde vivem completamente integradas; pode até haver uma Gemeinschaft
da mente, como quando membros de uma ordem religiosa
compartilham uma profunda dedicação a um dado conjunto de crenças,
que se tornam a base para uma robusta organização social. A organização
Gemeinschaft, em suma, é uma onde as pessoas se acham intimamente
ligadas umas às outras, graças à tradição, parentesco, amizade, ou por
causa de algum outro fator socialmente coesivo. Uma organização social
assim coloca o indivíduo dentro do nexo de sistemas extremamente
sólidos de controle social informal. Resumindo, Gemeinschaft refere-se a
um ‘‘sentimento recíproco, vinculativo... que mantém seres humanos
juntos como membros de uma totalidade”.7 Essa totalidade pode ser uma
família, um clã, uma aldeia, uma ordem religiosa, ou mesmo uma sociedade
inteira, mas tem como base da unidade comum esse tipo particular
de relacionamento social entre seus componentes.
É claro terem existido provavelmente poucas sociedades cujos laços
sociais fossem completamente baseados em tão intensos sentimentos de
‘‘comunidade’’ na acepção de Gemeinschaft. Entretanto, mesmo como um
construto abstrato, esse ‘‘tipo ideal’’ pode servir como um quadro para
nele se discutirem mudanças na organização social e novos tipos de
conexões entre membros que ocorrerão se a sociedade evoluir para uma
outra forma. Por exemplo, sob o impacto da industrialização, quando a
sociedade de massa e teoria da bala mágica 171
divisão do trabalho se torna imensamente mais complexa graças à crescente
especialização, há um declínio em Gemeinschaft? Tönnies viu sua
própria pátria sofrer uma transição de uma sociedade basicamente agrícola
para uma sociedade que se tornou crescentemente urbana e industrial. Se
bem que não sugerisse a evolução societária ser simplesmente uma tendência
de Gemeinschaft nas relações sociais para alguma outra forma,
ficou-lhe claro que outro tipo polar ia se tornar crescentemente mais
importante para descrever um sistema inteiramente diferente de relacionamentos
sociais entre os membros da nova sociedade.
O segundo de seus construtos teóricos foi Gesellschaft. A condição
essencial do relacionamento social na Gesellschaft é o contrato. Em seu
sentido mais amplo, o contrato é um relacionamento social voluntário,
mediante acordo racional, no qual as duas partes prometem cumprir
obrigações específicas uma com a outra ou perder determinadas vantagens
se o contrato for violado. Enquanto o contrato é um relacionamento formal
(amiúde escrito e sempre apoiado por mecanismos impessoais de controle
social), o relacionamento social da Gemeinschaft é informal. Na nova
sociedade de crédito complexo, mercados mundiais, grandes associações
oficializadas, e uma vasta divisão do trabalho, o relacionamento contratual
é amplamente encontrado entre as partes. O comprador e o vendedor
relacionam-se desta forma, assim como o empregado e o empregador.
Com efeito, através de todas as principais instituições, a ordem econômica,
a estrutura política, o sistema educacional, religião, e até em alguns
casos a família, o mais antigo vínculo Gemeinschaft, baseado em ‘‘sentimento
de união recíproca’’, está sendo substituído pelos relacionamentos
do tipo contratual. Em certas esferas do intercâmbio social, é quase o tipo
exclusivo de relacionamento que pode existir entre dois parceiros (p. ex.,
comprar ou alugar uma residência). Em certas esferas, ele raramente pode
ser encontrado (p. ex., dentro da família).
Apesar de nenhuma sociedade ter sido, ou provavelmente venha a
ser, exclusivamente Gesellschaft, está claro que este tipo de vínculo se
tornou onipresente e difuso. Também é claro que Gesellschaft subentende
uma visão assaz diferente para os indivíduos ao encararem membros da
sociedade do que ocorre no caso da Gemeinschaft.
Na Gesellschaft... todos estão por si e isolados, e existe um estado de tensão contra
todos os demais. Suas esferas de ação são nitidamente separadas, de sorte que todos
recusam aos demais contato com ou admissão em sua esfera de ação; isto é, as
intromissões são encaradas como atos hostis. Uma atitude assim negativa para com o
outro se torna o relacionamento normal e sempre subjacente dos indivíduos dotados
de poder, e caracteriza a Gesellschaft na situação dos demais; ninguém quer conceder
e produzir nada para outro indivíduo, nem estará propenso a ceder de bom grado a
outro indivíduo, a não ser em troca de uma dádiva ou trabalho equivalente que
considere pelo menos igual ao que cedeu.8
172 os efeitos da comunicação de massa
A Sociedade Impessoal e Anônima. A Gesellschaft, pois, insere o indivíduo
em um sistema social impessoal e anônimo. É uma situação onde
indivíduos não são tratados nem avaliados por suas qualidades pessoais,
mas são apreciados na medida em que possam atender às suas obrigações
contratuais. A Gesellschaft é um sistema de relacionamentos competitivos
onde os indivíduos visam maximizar o que podem obter de trocas e
minimizar o que dão, ao mesmo tempo aprendendo a precaver-se dos
outros.
O leitor reconhecerá que estas duas imagens de organização societária
foram deliberadamente pintadas com exagero para fins teóricos. Não
obstante, a polaridade Gemeinschaft e Gesellschaft proporcionou uma
estrutura bastante útil para se interpretar o impacto das condições sociais
mutáveis no cidadão da ordem industrial que vinha surgindo. A Gemeinschaft
poderia ser facilmente idealizada como psicologicamente reconfortante
e suportável, ao passo que a Gesellschaft poderia ser facilmente
condenada como psicologicamente perturbadora e geradora de tensão.
Tais interpretações abundam na literatura, no modo de pensar popular, e
até em ciência social, onde a mais simples vida Gemeinschaft de uma
sociedade primitiva ou acentuadamente rural é identificada como ‘‘boa’’,
ao passo que a impessoal Gesellschaft da