Coleção pessoal de demetriosena

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⁠TRADIÇÕES EMPALHADAS

Demétrio Sena - Magé

É melhor desbotarmos precocemente os olhos natalinos. Os abraços formais de fim de ano. Sucatearmos os sinos que se tornaram falhos para tantas canções de carência sem resposta. Já não convencem ninguém os sorrisos de aleluia que se abrem depois da sexta chamada santa. Ponhamos nossa garganta para dormir no silêncio dos amores de meros calendários.
Nunca mais deixemos que alguém nos forje nos desempenhos de tradições. Quando as nossas cavernas afetivas nunca tiveram eco, não devemos continuar à espera de vozes confiáveis. Também não devemos guardar ou esperar que outros guardem para nós, palavras decoradas que serão servidas como presentes - depois de tantas ausências - em datas criadas por decretos.
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⁠MORTE E VIDA MIRINDIBA - "Relenda"

Demétrio Sena - Magé

No alto do Mirante do Bonfim em Magé, na baixada fluminense, existiu uma tribo na qual uma índia deslumbrante, chamada Mirindiba, era muito amada por todos. Mirindiba era filha do Pajé. Já eram tempos de colonização, Portugal (país descobridor do Brasil) já estava em pleno desbravamento da ilha de dimensão continental descoberta, e muitos portugueses logo descobriram Magé. Nessa descoberta, um jovem português avistou Mirindiba, foi avistado por ela, e ambos se apaixonaram perdidamente. Vencidos o estranhamento de natureza étnica e a timidez, ambos não demoraram a estabelecer contato mais próximo e a namorar. Tentaram manter segredo, pois Mirindiba era prometida a um jovem índio de outra tribo, mas as árvores, assim como as paredes, têm ouvidos. O pai de Mirindiba soube do romance, chamou a filha para uma conversa e explicou que seria obrigado, por tradição local, a lançar uma maldição sobre a filha, se ela insistisse no amor proibido. Mirindiba não respondeu sim nem não. Manteve silêncio e arranjou uma forma de marcar um encontro com o jovem português, no ponto mais alto do mirante, para um plano de fuga. Talvez Mirindiba tenha duvidado que seu pai lançasse a maldição. O que ela não sabia é que a maldição era prévia e já estava lançada, para o caso de haver desobediência. Mal chegou ao local do encontro, naquela tardinha chuvosa, a jovem índia sentiu seus pés criarem raízes e começarem a afundar. O solo cobriu até suas canelas, o corpo da jovem foi se tornando um tronco grande de árvore e seus cabelos logo se tornaram uma bela fronde, com folhas desconhecidas na época. A árvore ali reinante se fez tão bela e diferente, que era impossível não identificar Mirindiba, mesmo ela tendo sido completamente descaracterizada em seus pormenores de humanidade visível. Ao chegar ao local do encontro, o jovem português a reconheceu imediatamente. Sentou em uma de suas raízes sobressalentes e chorou; chorou muito; a noite inteira. Tanto, que seu corpo se derreteu junto ao choro, se misturou ás águas da chuva e ajudou a irrigar a árvore com uma essência tão especial, que Mirindiba se tornaria extremamente longeva, centenária, quiçá imortal. O pajé, pai da índia, também morreu logo depois, de puro desgosto, longe dali. Ele amava sua filha, mas a maldição era inevitável e tinha que sair dele, mesmo que a sua boca se fechasse. Até hoje, Mirindiba pode ser vista como uma bela árvore que se destaca no ponto mais alto daquele mirante. Mirindiba é de Magé. Do Mirante do Bonfim.
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Nota: Lendas não têm autor/autora. Brotam no imaginário popular e se tornam imortais por tradição oral. Mas também ganham versões diferentes, especialmente na literatura. As redações (ou releituras), estas sim, têm autores ou autoras. Anos atrás dei uma redação em versos a esta lenda, publiquei no livro MALDIÇÕES AMORES E CRENÇAS, que lancei com Benedita Azevedo, e agora fiz redação em prosa, mais uma vez para enriquecer a narrativa da lenda mais popular do Município de Magé.
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⁠VENCIMENTO

Demétrio Sena - Magé

É preciso não dar espaço e voz
ao que foi devolvido às suas trevas,
nem atar outros nós onde a soltura
foi penosa e sabemos quanto custa...
Nestes tempos de falsos heroísmos,
propagar imbecis os romantiza;
o mesmismo dos "vivas" dá destaque
à mesmice que volta como nova...
A história não pode ser escrita
pelo arroubo da nossa insegurança;
por quem dita o temor introjetado...
Ditadores renascem feito mitos,
onde os gritos de vitória medrosa
não os deixam cair no esquecimento...
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⁠PREFEITURA E SERRA ELÉTRICA

Demétrio Sena - Magé

A prefeitura
não atura natureza.
Não atura o in natura.
Seu olhar detesta cor,
de folha pelo chão...
ou se as vias da cidade
ficarem "sujas de flor".
Sujeira boa é de lixo;
é de bicho abandonado
rasgando sacos de nervos.
É do esgoto a céu aberto
naqueles bairros distantes.
Da fumaça e da fuligem
dos motores a diesel.
A prefeitura
detesta o ar respirável
das árvores nas estradas.
Das praças arborizadas.
Por isso as corta sem dó,
sem a menor compaixão,
pra pavimentar o chão...
engambelar com arbustos
que darão menos trabalho...
e menos sombra...
e menos brônquios
pra respirar.
A prefeitura
Quer cada dia menos ar
puro.
Isso me dá medo.
Cada dia menos vida.
Menos ar...
voredo.

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⁠VIAS AFETIVAS

Demétrio Sena - Magé

Não chegue "às vias de fato"
em arrogância, mau trato,
com quem lhe dá horizonte...
E desde os olhos à voz,
é quem desata seus nós...
e nos abismos é ponte...

Entenda quanto este mundo,
na base destas verdades,
faz do amor o chão e teto...
Reflita um pouco mais fundo;
de consciência sem grades...
e chegue "às vias de afeto"...
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Paz pra você, professora Beth...
e para quem continua...

⁠ODE AO AMOR

Demétrio Sena - Magé

Adiei odiar; seja quem for;
para quando não quero ver chegar;
posso até não amar, mas terei filtro
de conter meu instinto indignado...
Odiei adiar, pesou no brio,
no desnível das minhas emoções,
no meu cio raivoso de razão
e na minha soberba social...
Mas me sinto melhor tendo adiado,
odiado e depois me recomposto
desse pódio dos meus ressentimentos...
Decidi odear, só fazer odes
ao amor que me peço para ter,
se não quero viver pra odiar...
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⁠DESCONSTRUÇÃO

Demétrio Sena - Magé

Hoje estou um prego, de tão chato. Bati o martelo e não quero papo com ninguém. Se minha cabeça entrar em parafuso, preciso estar desacompanhado. Chaves de fenda não poderão me ajustar. Tem entrado muita areia em meus planos e, na verdade, quero apenas manter o nível de minha solidão.
Tanta pá de cal sobre os meus projetos vêm doendo além do que suporto. Chega de tapar o sol com a peneira e dizer que a vida é bela! Se me der na telha, nunca mais dou as caras na rua! Tive uma vida inteira de ilusões, quase nada foi concreto, porque de tudo que fiz, quase tudo foi poesia. Poesia triste. Guardo as tintas e o pincel de pintar melhores tempos até nas boas horas. Não quero mais rolo com esperanças falsas. Entregarei de bandeja minhas forças vencidas, entre baldes de lágrimas que acumulo.
Até pouco tempo, as coisas ainda eram meio barro, meio tijolo, mas agora nem isso. Olho para a serra e vejo serra elétrica. Pro céu, e vejo a laje fria de minhas limitações. Tudo requer demolição. Preciso desconstruir as velhas expectativas, do teto ao piso. De cabeça enxada, só sei ver que tudo foice.

⁠AMOR PRÓPRIO

Demétrio Sena - Magé

Talvez seja melhor eu te livrar de mim;
te livrar dessa fuga reprimida em ti;
me tirar do cetim desbotado em teus olhos
que não sabem fingir e fingem que não fingem...
É melhor eu saber o caminho a tomar
para não me sentir um pedinte afetivo,
manter vivo meu dom de renascer do caos
ou amar qualquer sonho que me dê a mão...
Pode ser que não seja tão deserto assim,
do meu fim pro começo do meu novo eu,
minha fé nos afetos e nas alternâncias...
Vou embora do quanto já te sinto ausente,
pra que leves teu corpo e tua consciência;
tua mente que pensa que mente pra minha...
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⁠A MÃO AMARELA

Demétrio Sena - Magé

Algumas vezes, nos ambientes mais improváveis, por serem nossos ambientes, mesmo depois de maduros temos aquela sensação da "mão amarela". Lembram? "Quem peidou é quem está com a mão amarela". Aí, um menino como eu, cheio de complexos de culpa por indução externa, mesmo não tendo sido quem peidou se apressava em conferir a palma da mão. Discretamente, porém o fazia. Quem sabe não tinha sido eu, ainda que sem saber? Ou quem sabe não fui eu, sem ter sido?

Em inúmeras situações, isolada ou continuamente - o mais comum -, a sociedade, como um todo ou por setor, faz assim com os menos favorecidos de grana, força física, status, destaque ou aparência, conforme a ocasião, levando-os a sentir uma culpa inexplicável, pelo que não fizeram. Também os levando a se auto punir como se o Possível Deus condenasse neles o pecado original. Não por terem cometido, ao pé-da-letra, mas por supostamente serem das classes que têm sempre as mãos amarelas, independente de quem peide no momento. O que sempre pareceu uma brincadeira entre família ou coleguinhas, é uma vasta realidade nos meios sociais onde após criados acreditamos serem onde mais nos discriminam, desconfiam, se precaveem ou se preservam de nós.

Confesso que muitas vezes me sinto, entre as pessoas mais queridas, como aquele menino que provavelmente peidou, quem sabe até sem saber. Ou peidou mesmo sem ter peidado. Pois "meu passado me condena". E condenaria, mesmo não condenável. E os ambientes que deveriam ser os mais improváveis, por serem meus ambientes, já se tornaram para mim os mais previsíveis. Os mais prováveis. Onde a palma de minha mão nunca deixará de ser amarela.
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⁠ESTRANGEIRO PERPÉTUO

Demétrio Sena - Magé

Já não quero viver com tantas auras;
tantos véus e tanta fala não dita;
onde grita o silêncio temeroso
do que há de se ouvir ou ler nos olhos...
Ser o mesmo estrangeiro a cada dia,
na passagem dos anos e dos fatos,
ver a hora tardia do meu tempo
confirmar que cheguei sem passaporte...
Ou me deixo voar ou me abandono
neste outono que nunca passará,
entre folhas caídas em meus sonhos...
É sofrido estar dentro e ser de fora;
ter a hora pra sempre postergada;
gotejar num cenário impermeável...
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POETAS

Demétrio Sena - Magé

Um poeta não sabe o que dizer
pra não ser acusado de acusar
ou não ter que ajeitar eternamente
o que disse, não disse, no poema...
Tem que ter as versões acumuladas
na vertigem dos versos incansáveis,
pra dar tempo dos próprios arremates
aceitáveis aos olhos dos ouvidos...
Os poetas são todos inimigos
dos amigos, amores, mundo afora
que se flagram a cada inspiração...
São carrascos no fio da palavra
onde a lavra da multiconsciência
vê fantasmas no jogo dos espelhos...

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DUENDE

Demétrio Sena - Magé

Quero mais horizonte na mira dos olhos,
pra sentir que não sou amarrado por muros,
que não vivo de juros nem de correções
entre contas que faça para ter mais bens ...
E não quero acordar sob sons de metais
ou dormir agitado e com horas precárias,
nem saber que os pardais da cidade são caixas
que registram delitos e calculam multas...
Só preciso do vento sobre a pele nua,
sob a lua em destaque ou à sombra do sol
se filtrando nas folhas que murmuram sonhos...
Tenho tais ambições que ninguém apreende,
sou duende que paira na vida real
e se perde feliz onde acha sossego...

⁠BRINQUEDO QUEBRADO

Demétrio Sena - Magé

Por não ter existido pra você,
como agora me diz essa mudez,
quando minha nudez está extinta
nesses olhos que vestem outros tons...
Hoje fico assustado por meu susto
(fui alguém que se creu imunizado),
ao não ter tatuado nostalgia
sobre a pele da sua consistência...
De repente não tive seu regaço,
de surpresa não fui seu confidente
nem seu aço dental sorriu pra mim...
Porque vejo que fui um por enquanto,
um encanto fugaz da solidão
que lhe dava desejo de brincar...

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MEUS ESTADOS

Demétrio Sena - Magé

Porto Alegre
do Rio Grande
do Sul,
não fique triste...
A Bahia
de Todos os Santos
nem existe
sem Salvador...
E o Rio
de Janeiro
rompe a força
d'aguas de março...
Além do mais,
há um Belo
Horizonte
pras Minas Gerais...
A Vitória
já é certa
pro Espírito Santo;
Ceará não seria
uma Fortaleza,
sem seu encanto...
Bato Palmas
para Tocantins
a cada conquista...
E Roraima
sempre terá
uma Boa Vista...
O ano inteiro
tem Natal
no Rio Grande
do Norte...
Sou Brasileiro
que o tempo todo
crê na sorte;
rompe os estados
que se acumulam...
e vai além...
Qualquer dia
me arrumo e parto
Pará Belém...

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SOBRE OS OUTROS

Demétrio Sena - Magé

Venho trocando meu carinho por educação. Carregamentos de amizade por alguma simpatia. Meu afeto por boa vontade. Isso me causa esvaziamento, é prejuízo profundo e demanda grandes esforços de quem ocupo dessas abordagens. Tenho que aprender a desonerar os outros.... a livrar as pessoas de mim.

⁠RUÍDOS CALADOS

Demétrio Sena - Magé

Minha ética geme num silêncio rouco
de gritar pra si mesmo que seja de fato;
há um louco bem lúcido dentro de mim
sussurrando boatos de que tudo passa...
Uma estética fria tenta me conter
dos ruídos calados ferventes em mim,
é um fim que não para de recomeçar
e repor o sentido que tudo não faz...
Este cético tenta encontrar uma fé
que me livre da força de minha fraqueza,
faça o pé se firmar na crueza dos fatos...
Meu arquétipo interno de moralidade
se rendeu à verdade sobre ser quimera;
entretanto quem dera o coração saber...


NUNCA MAIS DE SEMPRE

Demétrio Sena - Magé

Nunca mais eu atraco a minha vida
numa vida sem sonho pra trocar,
sem o dom de se amar, um horizonte
nem que seja bem perto; logo ali...
Já não quero emprestar o meu afeto
a quem teme a magia de saber
que o querer é da própria natureza
e se pode ajustar o seu evento...
Percebi afinal, que todo nunca
é um sempre que o tempo delineia
sobre meia verdade feito a minha...
Só não quero mais nada com alguém
que não fique de bem, não aconteça
nem nos panos da própria fantasia...

⁠NOITE ADENTRO

Demétrio Sena - Magé

Só queria dormir irreversivelmente;
mergulhar em um sonho do qual nunca volte;
minha mente romper a imensidão do breu
e deixar as verdades perdidas aqui...
Outro plano me chama desde não sei quando,
quero ir noite adentro, seja noite ou dia,
pra romper o silêncio que revolve a vida;
estender a poesia pelo chão do vento...
Eu desejo voar indefinidamente,
minhas asas abertas me deixarem ir,
finalmente sorrir sem as cáries da mágoa...
Novos rumos acenam para meu cansaço,
meus remorsos e minhas desidratações;
pras versões do Saara que se alastra em mim...

⁠CARTA DE AMIGO CÉTICO

Demétrio Sena - Magé

Meu amigo; vê se não carta - como também não descarta -, mas esta carta não é para tirar da manga... e não manga de mim por causa dela... é para ti. Não Parati nem qualquer outra cidade, mas para ti. Acorda a corda e deixa de marra... ou amarra a marra, que o posto oposto é onde há parto e aparto a briga, pois agora tem ágora para brigas. Não boto acento no assento, há cento e tantos dias não como, como não sei. Só sei que o culto oculto eleva e leva sem desculpas... nem dez culpas... pois nada nada em águas alvas e, o alvo é alvo da mosca na qual jamais acertei.

Eu me livro com livro e sei que a porta aporta lembranças, porta saudades e me pergunta: "E você; qual quer entre qualquer uma?". Seja como for, te peço que peça a peça certa, e acerta; encara a vida em cara limpa e não atira a tira... nem atola a tola no convento com vento, em meio à catinga da caatinga do abandono. É a sina que assina o conto que não conto nem contas, entre as contas dos contra e dos pró. Calma; não sou ator que atormente. Ator mente e atua a tua e também minha vida. Não tenho fé, porque fé demais fede mais; fé de menos nem fede nem cheira.

Acho que acabo aqui. porque há cabo aqui e não quero ser presa da surpresa do acaso nem do ocaso do caso sério com o qual não brinco... mas é brinco na orelha da minha saga. estou doente do ente que há em mim. Não fica assim... ou fica sim, mas não assim, porque há sim, esperança no ar, apesar de a pesar e sentir que não pesa muito. Seja como for, como flor e digiro espinho; dirijo o que digiro para o esquecimento, mas eis que cimento não há. Perdão, amigo; mas eu dei adeus a Deus... e fiquei cético... sei que não tem antisséptico... nem anti-cético para me ajudar.
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⁠TUDO É SOBRE O SER HUMANO

Demétrio Sena - Magé

Toda reflexão escrita (e publicada) é sobre você e eu, de alguma forma, porque tudo é sobre o ser humano. Até quando se usa o recurso do abstrato, do sobrenatural, da generalização e da licença poética. Já li muitos textos que mexeram comigo, me deixaram incomodado e só a custo me convenci de que não que foram escritos especialmente para mim, porque lá não estavam meu nome, o endereço, um segredo meu, uma vivência única ou específica nem qualquer descrição pessoal minha, mesmo quando os autores eram do meu rol de convivência.

Somos flagrados por um texto e outro, porque somos humanos, temos feridas onde cabem certos dedos e, sendo assim, ninguém precisa nos retratar para chamar à reflexão, ao sentimento e ao repensamento sobre nós próprios, talvez movidos por alguma coincidência de cunho generalizado. A menos que sejam declaradamente sobre, ou nominais, literaturas não atiram em alvos singulares... e muitas vezes falam dos próprios autores, ainda que o façam na terceira pessoa. Eu mesmo, falo de muitas mazelas minhas e depois percebo que o fiz como se apontasse o dedo na direção de outros.

Quem escreve e publica textos cuja fonte principal de inspiração é o ser humano com as suas virtudes e mazelas, vive na linha tênue entre surpreender pelo encanto e magoar pessoas que ele nem imagina. Algumas próximas, que reagem como se autuadas em flagrante... outras distantes, que se perguntam como certos textos as encontraram; como quem escreveu as adivinhou. Constato no espelho de minha trajetória, que ser um "escrevedor" às vezes é uma dádiva; outras vezes um incômodo; muitas outras um infortúnio.