Pensamentos de Clarice Lispector
Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito.
Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza.
Sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir.
E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.
Estranhei tudo. E, por me estranhar, vi-me por um instante como sou. Gostei ou não? Simplesmente aceitei.
Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. (...) É bom perfumar-se em segredo.
Eu me sinto culpado quando não vos obedeço. Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.
Quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena.
E doidamente me apodero dos desvãos de mim, meus desvarios me sufocam de tanta beleza. Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca.
Ultrapassar a dor é a pior crueldade. E eu tenho medo disso, eu que sou extremamente moral. Mas agora sei que tenho de ter uma coragem muito maior: a de ter uma outra moral, tão isenta que eu mesma não a entenda e que me assuste.
(...) nada te posso garantir – eu sou a única prova de mim (...)
Sou tímida e ousada ao mesmo tempo.
Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?
Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa.
Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final. Do zero ao infinito vou caminhando sem parar.
Por que quero fazer de mim um herói? Eu na verdade sou anti-heroica. O que me atormenta é que tudo é "por enquanto", nada é "sempre".
Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.
Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável.