Gabriel Garcia Marque
Me pergunto como pude sucumbir nesta vertigem que eu mesmo provocava e temia. Flutuava entre nuvens erráticas e falava sozinho diante do espelho com a vã ilusão de averiguar quem sou. Era tal meu desvario, que em uma manifestação estudantil com pedras e garrafas tive que buscar forças na fraqueza para não me colocar na frente de todos com um letreiro que consagrasse minha verdade: Estou louco de amor.
As mulheres só se entregam aos homens de ânimo resolvido, porque lhes infundem a segurança que tanto anseiam para enfrentar a vida.
Uma noite voltou do passeio diário aturdida pela revelação de que não só se podia ser feliz sem amor como também contra o amor.
Como provar aos homens o quanto estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem, justamente, quando deixam de se apaixonar?
Converte-te numa pessoa melhor e assegura-te de saber quem és antes de conhecer mais alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és.
Desde então comecei a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas. A dos cinquenta havia sido decisiva porque tomei consciência de que quase todo mundo era mais moço que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que já não me sobrava tempo para me enganar. A dos setenta foi temível por uma certa possibilidade de que fosse a última. Ainda assim, quando despertei vivo na primeira manhã de meus noventa anos na cama feliz de Delganina, me atravessou uma ideia complacente de que a vida não fosse algo que transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais.
Não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque envelhecem, elas envelhecem porque pararam de perseguir os sonhos.