Coleção pessoal de ropelimt

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Uma nau sem mar


No seu olhar calmo e sereno de antigamente, não encontrei meu mar e nenhuma praia aonde eu pudesse repousar meu “eu”. Encontrei apenas algumas interrogações fugindo de todas as respostas que eu poderia Ter.
Foi como ver em uma manhã a ressaca, a fuga para outra encosta e a sensação de algo esparramando, descansando em si mesmo.
Pela primeira vez parei para pensar e fiquei perdida dentro do meu vazio, dentro do meu próprio porto sem nenhuma sinalização.
Não voltaremos atrás. Eu sei que não voltaremos, nem para recolher as mágoas, nem para recolher os aplausos. Guardaremos dentro de nós esse silêncio gritante, explodindo dentro de nós. Eclodindo dentro do nosso ser que já não é. Deixou de ser quando se fragmentou, e os pedaços espalhados não se fizeram formas novamente. São lâminas, areias dentro do nosso mar, desse mar vazio sem nenhuma nau, sem nenhum anjo esperando a embarcação. Acabaram os sonhos e tudo se fez real.
E, no entanto, olhando pelas frestas de nosso interior eu vi um menino correndo em direção às ondas imaginárias, eu vi um menino brincando de “gente grande”, guardando dentro de si um medo danado dessa vida tão dura, muitas vezes impiedosa. O que esse menino não aprendeu (porque teve medo), foi a fantasticidade que é desafiar a vida com todas as quedas, com seu tempo imperativo. E como é gostoso tirar da vida o néctar, o doce, o essencial, mesmo quando ela insiste em nos dar o amargo.
Foi isso que vi em seus olhos e compreendi que não era calmaria, e sim olhos inertes. E foi por isso que o mar foi embora, sem nau, sem anjo, sem nada para deixar de rastro, de simples lembranças.
Também estou indo. Deixarei as marcas digitais de uma sombra se movendo ao tique-taque do relógio. Deixarei meus fragmentos de sonhos espalhados nesse chão frio. Talvez um dia os absorvam ou triture-os até o fim. Tudo isso são marcas de um passado que ainda dói muito percorrer.
Mas estou indo. A minha nau parte amanhã, sem os seus olhos, sem o seu mar.
Haverá de soprar ventos leves, ventos fortes, que certamente nos levará a navegar em outro tempo.

Esperança
é poder ver que nos olhos do homem
há um menino que brinca
apesar das cicatrizes
das feridas
que tanto ardem nessa vida

Esperança é poder ver
o homem que pinta o sete, o oito
e o que mais vier
para poder colorir o chão onde o menino vai pisar.

Esperança é saber
que o menino que fita o homem
se torna muitas vezes
o protetor, o conselheiro
a força de um gigante
que ainda nem sabe grande, poderoso
e capaz de transformar por amor e pelo amor
os caminhos áridos e espinhosos
em caminhos que um dia
o futuro pisará

Prelúdio para amanhã

Dorme amor
Que a vida desperta mais tarde
Com suas lógicas
Com seus absurdos com todas as surpresas
E angústias
Que cabe a cada tempo

Dorme amor
Que a vida já vem
Com seus assombros
E seus sopros amenos
Dorme amor
Que a vida já vem
E é só isso que se tem
É só isso que se sabe

Acorda amor
Antes que a vida se vá
Sem que haja tempo
Para as descobertas
Para o aprendizado
Para o sentido
De tudo

Acorda amor
Para a única certeza
Que ainda podemos ter
Que tudo é sempre tão incerto
Tão sofrido
E apesar de tudo
E por tudo
Ainda estamos por aqui.

Primavera

É primavera e vou vivendo a esmo.
Vou vivendo no logo e na procura,
Convivendo comigo mesma
Nas ruas, nos bares, nos parques,
Nas praças e em mim.
Dias morrem, outros surgem;
Esperanças rasgando o ventre
Do amanhã!
Vou vivendo nas madrugadas enluaradas de ébrios.
Vou vivendo no riso e na dança
Nas festas e nos ferétros
Nas dúvidas e nas dívidas.
Algumas pessoas se drogam fugindo delas mesmas.
Vou vivendo e sobrevivendo do meu próprio cio,
Entre lamentos e descobertas
Entre a paz e a guerra
Entre acertos e desacertos
Dessa vida desconexa,
Tão linda, tão mágica e tão misteriosa
E ás vezes sem nenhum sentido.
Vou vivendo dia após dia
Noite após noite
Idas e vindas
Chegadas e partidas.
Vou vivendo e vendo
O passar do tempo
E passando com ele!
Vou vendo o canto dos pássaros
E um século que finda
E a natureza que suporta,
Resiste e insiste em ser
Primavera
Apesar da ganância, da maldade
E do desencontro do homem

Rosana Pereira de Lima

Resenha
E porque a vida desfez o último fio, era tarde para tentar desmembrá-la, e era tarde para se compreender os enigmas.
E porque a vida desfez os últimos fios, ficou apenas a lembrança guardada na caixa azul de fitas amarelas.
No entanto, havia o desejo de tocar as mãos, de sentir dos lábios as palavras soltas, perdidas, sem nenhum compromisso de entendimento, de compreensão.
E o silêncio a roçar a face e a dizer banalidades.
Nada mais é banal. Agora tudo é muito sério. O último fio a se desprender da janela. E do peitoril não mais ouvir os pássaros, nem alimentá-los com a falsa promessa das migalhas de pães. Nada!.
O ensurdecedor se fez barulho e o grito soou nas esquinas. Ninguém quis ouvir. Havia outros sons perdidos, virando estradas, se perdendo por ai.
E havia a vida a desfazer os últimos fios, a trocar segurança por interrogações.
Nenhum passo seguro que pudesse decidir caminhos.
E a lágrima que não mais precisou cair. Ficou enroscada no peitoril da janela, nos sons monossílabos e minúsculos dos pássaros que preparavam seus vôos de regresso.
E porque era o último fio, não mais precisava segurar o sonho, nem se agarrar à realidade. Bastava deixar a asa de cera estendida ao sol para que se derretesse e levasse com ela a esperança do alcance, da imensidão, do espaço azul coroado de nuvens sem formas. Nunca mais houve o calor de um abraço, nem a alegria de um encontro. Tudo se fez tão pouco, quase imperceptível.
E porque a vida desfez os últimos fios, já não bastava cruzar as mãos, mas sim esticá-las ao máximo, para tocar o intocável, o inanalisável.
E porque as mãos não mais desejaram o toque, a amplidão de tudo se fez. E não houve despedidas, nem mesmo pássaros voando, nem mesmo uma lágrima a cair da face. Nada.
Apenas alguns olhos se olhando, balbucios de palavras que o próprio tempo se encarregou de explicar.

Paradoxo
Vou, mas permaneço aqui
Paradoxo de vida, sei lá.
Deixarei meu “eu “em cada canto
Estarei no pó que sai da terra
E na gota de chuva
Estarei morrendo na partida
Para renascer na chegada
Façamos de conta que é só um tempo ruim
Uma pequena ausência minha
Quando tudo passar, renasço das cinzas
É só um morrer na dor da solidão
E um viver depois, no cio da própria vida.

PODERIA TER SÓ CORPO


Poderia ter sido só corpo
Só o momento.
Poderia.
Mas as almas às vezes se encontram
E se encantam de tal maneira
Que o corpo apenas já não basta.

Poderia Ter sido
Só o encontro inesperado
E o mal súbito
Que se tem
Diante do que ainda não se sabe.
Se tivesse sido da maneira que era para ter sido
Se pudéssemos termos só corpo
Sem a alma ter se intrometido
Sem a alma ter se encantado
Não haveria em você essa dor, esse sofrimento.
Não haveria em mim
Essa culpa absurda
Esse temor descabido
De estar te causando tanta dor
Tanto desalento.
Se tivesse sido só corpo
Haveria os risos, as descobertas
O frenesi normal
Seríamos apenas festa
E utopicamente viveríamos
Sem saber
Sem se ter
Sem se doar
Sem compartilhar.


Se tivesse só corpo
Sem a alma ter se encontrado
Talvez nem estivéssemos mais juntos
Talvez nem pudesse ter conhecido
O seu melhor, o seu mais forte
O seu companheirismo
A sua solidariedade.
Se tivesse só corpo
Sem a alma estar envolvida
Eu não teria te amado tanto
Dessa maneira tão bela
Tão inexplicável
E tão sem futuro.

Se tivesse sido só corpo
Não teríamos falado
Da espera, da saudade, das dores
Dos desamores e dos desencontros
Se tivesse sido só corpo
Não teria sentido nada disso
E teríamos perdido
Os olhos invisíveis
Que só as almas possuem.
Se tivesse sido só corpo