Coleção pessoal de Epifaniasurbanas

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⁠Esperança é um menino de pés descalços brincando entre nós. Não se contenta em esperar, mas age com a simplicidade dos pequenos gestos. Vive o presente como quem descobre um inseto no quintal, agradecendo ao passado sem se deixar aprisionar por ele. O passado é um rio. A vida segue. O futuro deve ser olhado com a calma de quem observa nuvens. Algumas coisas mudam com nossas mãos; outras, como o tempo, nos cabe aceitar. Isso é esperança.

⁠⁠Um passarinho na janela

Era uma manhã como tantas outras, quando minha atenção foi capturada por um pequeno pássaro que, com graça e leveza, pousou na janela de minha casa. O passarinho, em sua serena vivacidade, parecia trazer consigo um mundo de reflexões.

Suas asas delicadas tocavam o vidro com a leveza de quem afaga o próprio destino, e seus olhos, dois pontos brilhantes, refletiam a quietude de um espírito livre, como quem tem um céu inteiro dentro de si. A presença daquele pássaro revelou-se como um oráculo silencioso, sugerindo-me que a vida, em sua essência, é uma eterna contemplação do invisível.

Enquanto o passarinho perscrutava o horizonte, pensei nas vezes em que nós, humanos, presos em nossas angústias, deixamos de perceber as belezas simples que nos cercam. Ignorância é acharmos que pássaros, só porque têm asas, não caem ou que nunca descansam nos tapetes de Deus durante o seu percurso. Essa liberdade não tem nada a ver com invencibilidade.

O pássaro, em sua graciosa indiferença, ensinava-me a arte da quietude, a contemplação do instante presente, a sabedoria de viver sem pressa.

E assim, naquele encontro fortuito, compreendi que a janela não era apenas uma barreira física, mas uma metáfora da alma, uma passagem para a introspecção e para o entendimento do nosso lugar no mundo. O passarinho, ao pousar na janela, não apenas a tocava, mas convidava-me a abrir as portas do meu próprio coração para as sutilezas da vida.

O dia 14 de maio

Acordei, no dia 14 de maio, esperançoso de auroras resplandecentes. Liberto, sim, mas ainda preso. Meu nome, outrora oculto nas sombras da escravidão, ansiava por um reconhecimento que jamais parecia chegar. Caminhei pelas ruas, indiferentes à minha nova condição de homem livre. A liberdade, dizem, é a mais preciosa das conquistas; todavia, ela se apresentava como uma dama esquiva, vestida de promessas que não se cumpriam.

Eu, que trazia a senzala na alma, vi-me entre o cortiço e a favela. Estes novos lares eram apenas novas formas de cativeiro, onde as correntes invisíveis da miséria continuavam a me atar à dura realidade. Subi as encostas na esperança de um dia descer, mas a promessa de descida era tão ilusória quanto a liberdade conquistada na véspera. Sem nome, sem identidade, sem retrato, eu era um espectro vivo; do lema da bandeira, conheci apenas as vielas do progresso.

No dia 14 de maio, ninguém me deu bola. Tornei-me mestre na arte da sobrevivência, fazendo do trabalho árduo meu sustento em um campo onde o futuro se mostrava tão incerto quanto o destino dos muitos que, como eu, foram libertos na letra, mas não na vida. A escola, um sonho distante, fechava suas portas, negando-me a instrução necessária para ascender aos degraus da dignidade.

Minha alma, contudo, resistia. Meu corpo, acostumado à luta, sabia que o bom, o justo, também deveriam ser meus. A certeza de minha própria existência, de minha identidade, tornou-se a âncora que me impedia de sucumbir às tempestades da indiferença. Mudanças só nos anos; sinto que ainda vivo no dia seguinte à abolição.

⁠Não culpe os ventos; são eles que possibilitam a contínua dança das flores. A chuva, além de lavar o ar e reviver o chão, é água que conta história. O escoamento das águas, sempre ignorado, é como o leito de um rio que sonha. E o luar, esse é o poeta dos mares, que escreve versos nas marés e determina suas próprias beiras e bordas. A natureza é fúria e afeto, início e fim. Importante para nós é aprender a viver em harmonia com os segredos das árvores e das pedras, pois quando o assunto é o meio ambiente, a única opção além de coexistir é desaparecer.

⁠Viver por vezes parece ser apenas adiantar o trabalho do dia seguinte. No domingo, já estamos pensando na segunda-feira, na terça-feira, já estamos de olho na quarta-feira, e assim por diante, sempre um passo à frente do dia presente. Com tanta antecipação, acabaremos vivendo um mês a menos.

Nossa mente, assim como a vida, é uma tecelã desatenta que não distingue entre fios de ouro e fios de sombra. Ela não seleciona memórias como boas ou más; simplesmente as deixa dançar ao sabor do vento da lembrança. Daí o perigo de se viver de amanhã.

O tempo, esse trapaceiro imprevisível, teima em desafiar nossas noções de permanência, sempre nos lembrando de sua natureza efêmera. No entanto, no meio desse emaranhado de efemeridades, o amor emerge como um oásis de eternidade. É nele que residem todas as histórias que o tempo já arrastou consigo, como conchas preciosas depositadas na praia do coração.

Sempre que puder desperdice simpatia, pois é o amor que empregamos no cotidiano dos nossos dias que nos fará celebrar não apenas o tempo que já vivemos, mas também o tempo que ainda teremos para tecer novas memórias e se encantar com suas infinitas possibilidades.

⁠Sou um amontoado de pedaços, onde moram partes que não nasceram em mim e hoje florescem em um corpo que é, de algum modo, meu. Tenho um pouco de todos e todos têm um pouco de mim, vejo-me espalhado.

Esse eu sem nome, essa parte que nasceu em mim e agora habita em outro corpo, ainda sou eu. Desgasto-me com velocidade absurda, meus fragmentos se espalham por toda parte. Sinto-me completo somente quando estou disperso.

Como um galho arrancado da árvore e plantado em nova terra. Como a árvore que viaja através de suas sementes, eu vivo nas entranhas alheias.

Assim, quem busca a perfeição humana se perderá, pois não há encaixes perfeitos em pedaços distintos.

⁠Como árvore permaneço no mesmo lugar
resistindo as intempéries das estações.
Resoluto e ao mesmo tempo submisso às
novidades de cada novo amanhecer.

As pragas até queimaram minhas folhas,
mas não deixei atingirem meus frutos.
Minhas raízes estão ainda mais fincadas
minha copa a cada dia menos utópica.

Após me restabelecer decidi que vou morrer
de finitude, não de fatalidade.
Minha esperança é que o vento leve
partes saudáveis de mim e polinize um
futuro que não verei.

“A poeira testifica a vontade do chão de ganhar os céus.
A flor se realiza em seu pólen pegando carona nas abelhas
para que seu fruto não nasça sem antes ter a sensação dos ares.

Tudo que existe anseia as alturas.
Assim, o pensamento em mim.

Meu pensamento criou asas,
fez minha alma voar.
Minhas palavras, essas sim, caminham.
Por isso no poema quando você é o tema
Nunca sei se vou ou se voo. “

⁠Quando abraço alguém, fecho os olhos e demoro pelo menos uns trinta segundos antes de soltar. Neste tempo, consigo ouvir exatamente cada pulsar do coração. Acredito que cada coração tem um ritmo, como se fosse um timbre vocal. Convido-te a ouvir! Para isso, é preciso que eu saia da superficialidade dos sentidos. No último abraço que dei, pude escutar as palavras mudas de um coração: "Obrigado por estar aqui."

⁠A sacralidade nas refeições.

Há certa equidade no rito das refeições. Sob a toalha, já não se vê quem é maior. A mesa esconde nossas deficiências.

Sentados, a única urgência é pela comunhão, que é repartida juntamente com o pão e a manteiga. O sagrado tem sabor de café.

Quando nestes encontros falamos, rimos e recordamos, as horas voam diante da saudade acumulada, e notamos que, pelo menos por alguns instantes, conseguimos arranhar a eternidade.

Algum aparelho sempre toca e, espantados com o horário, sabemos que é o momento de partir.

Na porta, ao nos despedirmos, alguém intencionalmente sacode a toalha do café, assim as aves também poderão se alimentar com as migalhas dos nossos momentos.

Na ânsia pelo porvir, vagueamos por entre os dias, tentando antecipar o presente. Estamos, mas nunca inteiros. Zumbimos no agora acreditando em um amanhã que nunca chegará. Precisamos estar atentos às chegadas e despedidas, pois o futuro é criado com pedaços de agora.

“Quando o verbo se fez poeta a poesia virou sinônimo de Deus.”

⁠A criança antevê a felicidade, não espera que ela chegue para ser feliz.

⁠Não espere a primavera chegar
inspire-se nos ipês e floresça
A_Gosto.

“Não creio na construção sadia de uma humanidade longe da espiritualidade. Nem creio que alguém se torna melhor lendo cartilhas, para mim sentimentos são itens espirituais.
Para ser inteiro, não divorcio o corpo do espírito. Somos corporificação daquilo que os olhos não vêm, a melhor parte dos dois mundos.”

“A educação e o beijo são as melhores preliminares.”

⁠Mente livre, ventre livre

Não era liberdade completa, é certo
a lei mantém a condição de objeto.
A liberdade não veio das mãos de quem
escravizou. Nem escravo, nem livre foi
o que o negro se tornou. Mas a liberdade
caçou seu jeito de acontecer. Quando o
ingênuo viu que a verdadeira alforriaera oacesso ao saber.

⁠Petricor

Um aroma úmido
Um pequeno nada
Exala o singular cheiro de terra molhada.
Composto de chão de terra, britas e
fragmento do cotidiano.
O perfume da chuva
tem aroma de óleo de sândalo
restaura lembranças
ao passo em apaga os rabiscos do chão.
Limpa a lousa da calçada e da vida
hidrata a nossa esperança
e restaura nossos sonhos.

⁠⁠Ao olhar do vidro avanço
o tempo nesse receptáculo.
Escoa uma areia fina
de seu corpo esguio.
A chuva cor de palha
vem de céus afunilados.
A miséria a conta gota nunca cessa,
caí de grão a grão.
Na cabeça os grânulos da areia
do tempo desgastam a fé e os fios.
Aqui não há futuro
tudo é agora ou tudo já se foi.

⁠Mulher de fases, tais como a lua.
Tem fases de querer se fazer sentida
igual a força exercida em homens e marés.
Fases de dar sentido criando destinos
como quem faz um mapa astral.
Fases de doação se fazendo clarão para
iluminar a noite escura dos apaixonados.
Fases de reconhecimento
querendo o olhar atento
dos que lhe escrevem versos de amor.
Ela é como a lua, só faz o que quer.
Ela é como a lua, tem fases e fusos próprios.
Míngua, Cresce e se re_Nova.
Ela é como a lua...
Cheia de vontades.