Coleção pessoal de mangialardobr

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"O homem é essencialmente ganancioso" e, por isso "todo homem que tem Poder é levado a abusar dele";
"Existe em cada Nação um espírito geral sobre o qual até o próprio Poder está alicerçado";
"O PODER DEVE SER DIVIDIDO entre órgãos diversos, porque só eles podem frear-se, moderar-se uns aos outros";
"Em uma República Aristocrática, que seria a melhor forma de governo, a classe dominante deve ser moderada";
"Sem a moderação da Aristocracia, a República tende a degenerar em despotismo, governo anárquico".

As Causas da Grandeza dos Romanos e da sua Decadência - Montesquieu.

É inútil falar sobre a alternativa de razão e fé. A própria razão é uma questão de fé. É um ato de fé afirmar que nossos pensamentos têm alguma relação com a realidade, por mínima que seja.

Quem quer que se disponha a discutir o que quer que seja deveria sempre começar dizendo o que não está em discussão. Além de declarar o que se quer provar é preciso declarar o que não se quer provar.

A palavra comunismo foi cunhada em Paris na década de 1840, e refere-se a três fenômenos que, embora distintos, têm relação entre si: um ideal, um programa e um regime instituído para realizar o ideal.

O IDEAL do comunismo é o da igualdade social que, em sua forma mais extrema (como em alguns escritos de Platão), implica a dissolução do indivíduo na comunidade. Na medida em que as desigualdades sociais e econômicas derivam primordialmente das desigualdades de bens, sua consecução requer a não existência de "meu"e "seu" - em outras palavras, da propriedade privada. O ideal teve a sua primeira formulação nos escritos de Platão. Na República, falado por Sócrates, Platão viu nos bens a raiz da discórdia e das guerras:

"Tais diferenças originam-se geralmente na divergência a respeito do uso dos termos "meu" e "não meu", "seu" e "não seu". (...) E o Estado mais bem organizado não é aquele em que o maior número de pessoas aplica os termos "meu" e "não meu" da mesma maneira à mesma coisas?"

Em As Leis, Platão divisou uma sociedade em que as pessoas compartilhavam não somente todas as posses mundanas, assim como suas esposas e filhos, mas uma em que

"o privado e individual é totalmente banido da vida, e as coisas que são privadas por natureza, tais como os olhos, ouvidos e mãos, se tornam comuns e, de certa maneira, ver, ouvir e agir em comum, e todos os homens expressam orgulho e culpa e sentem alegria e tristeza nas mesmas ocasiões."

Aristóteles, brilhante discípulo de Platão, questionou se tal utopia comunista traria a paz social, com base em que as pessoas que têm coisas em comum são mais propensas a brigar do que as que as mantêm privadas. Além do mais, argumentou ele, o pomo da discórdia social não reside nos bens materiais, mas no anseio deles: "não é o bem, mas os desejos da humanidade que precisam ser equiparados".

O PROGRAMA remonta a meados do século XIX e está mais intimamente associado com os nomes de Karl Marx e Friederich Engels. Em seu Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels escreveram que "a teoria dos comunistas pode ser resumida em uma única frase: "abolição da propriedade privada". Acreditavam que as socidades baseadas na distinção de classes entrariam em colapso.

O primeiro esforço para tentar efetivar o comunismo usando o poder do Estado ocorreu na Rússia entre 1917 e 1991. Vladimir Lenin foi o fundador deste regime. Lenin visualizava uma sociedade igualitária, sem propriedades, emergindo da ditadura do proletariado, que eliminaria a propriedade privada e prepararia o terreno para o comunismo.

Desta forma, o comunismo desenvolveu-se na seguinte sequência histórica: primeiro surgiu a idéia, depois o plano de realização e, finalmente, a implementação.

O ideal e o programa são relativamente inócuos. Todas as tentativas de os colocarem em prática, especialmente as sustentadas pelo poder do Estado, tiveram graves consequências, entre elas, a morte de milhões de pessoas.

Três grandes generais: Alexandre, Aníbal e César. Os três combateram e seguiram um padrão comum. Apesar de muitas mudanças e de toda a tecnologia, desde os tempos antigos, os princípios da guerra mudaram pouco, da mesma forma que a natureza humana.

Cada uma das guerras destes generais consistiu em cinco estágios: ataque, resistência, choque, fechar o cerco, saber quando parar.

Os cinco estágios de um conflito:

(1) ATAQUE: a decisão de ir para a guerra leva à deflagração da luta guiada por um plano. O plano de guerra é crucial - como diz o ditado "fracassar em planejar é planejar para o fracasso". Mas todo plano enfrenta obstáculos. Estes obstáculos são a RESISTÊNCIA.
(2) RESISTÊNCIA: nesse estágio, o atacante precisa superar os obstáculos ou vai fracassar. Estes três generais foram bem sucedidos e forçaram seus componentes a entrar em um CHOQUE.
(3) CHOQUE: é a batalha ou as batalhas que deixaram evidente a supremacia do exército invasor. Mas vencer uma batalha não é suficiente. Um general bem sucedido precisa deixar seu inimigo de joelhos usando o que for necessário - perseguição, bloqueio, contrainsurgência ou outras táticas. Precisa usar seus recursos políticos e financeiros, além dos militares. Precisa estar pronto para dúvidas em suas fileiras e insurgência no exterior.
(4) FECHAR O CERCO: é o estágio mais complexo e desafiador de todos.
(5) SABER QUANDO PARAR: um soldado estadista, deve saber o momento certo de terminar a luta e de uma maneira em que faz mais do que cessar as hostilidades - estabelece a base para o mundo pós-guerra.

MESTRES DO COMANDO - ALEXANDRE, ANÍBAL, CÉSAR E OS GÊNIOS DA LIDERANÇA - BARRY STRAUSS

São dez as qualidades que formam a base do sucesso da guerra de três grandes comandantes da história: Alexandre, Aníbal e César.
As nove primeiras são: ambição, julgamento, liderança, audácia, agilidade, infraestrutura, estratégia, terror e estilo. A décima é diferente, pois é algo que acontece com um comandante em vez de algo que ele possui - a qualidade da Divina Providência.
AMBIÇÃO: os gregos utilizam a palavra "philotmia" como a ambição. Literalmente, significa "amor pela honra". Uma outra palavra "megalopsychia", cujo significado é "grandeza da alma", refere-se a um impulso apaixonado para conseguir grandes feitos e ser recompensado com suprema honra.
JULGAMENTO: Bom julgamento, guiado por educação, intuição e experiência, define o sucesso destes três comandantes. Eram muito inteligentes, mas cada um tinha algo mais - uma qualidade conhecida como intuição estratégica.
LIDERANÇA: eram decididos, vigorosos e seguros. Tinham equipes que podiam ser consultadas - e que, frequentemente, prevaleciam sobre a opinião deles. Apelavam aos seus seguidores não apenas como conquistadores ou chefes, mas também como homens. Não que os comandantes apostassem na amizade para dirigir seus exércitos - longe disso. Atores habilidosos, eles podiam colocar fogo em seus exércitos ou extinguir a paixão deles. Eram mestres das recompensas e punições.
AUDÁCIA: A honra estava no coração de seu caráter. Coragem era o sangue vermelho em suas veias. Mas a virtude do guerreiro que melhor personifica Alexandre, Aníbal e César é a audácia. Porque amavam a honra, amavam o perigo. Passavam pelos mesmos riscos de seus homens e, por isto, ganhavam o coração deles.
AGILIDADE: eram soldados que enfrentavam o que fosse. Ou pelo menos, quase tudo: gostavam de mudanças no campo de batalha. Quando as condições de combate mudavam, eles se reorganizavam. Velocidade era o lema deles, enquanto mobilidade, uma marca registrada. Viajavam com poucas coisas, não mais que uma carroça de suprimentos. Eram mestres da multitarefa. Como guerreiros ágeis, nem sempre eram bons políticos: GUERRA É CLAREZA; POLÍTICA É FRUSTRAÇÃO.
INFRAESTRUTURA: ganhar uma guerra, manter um Exército vitorioso tem certas exigências: armas, armaduras, barcos, comida, dinheiro, muito dinheiro. Entretanto, uma coisa o dinheiro não pode comprar: a sinergia. Não pode comprar uma força armada combinada (infantaria leve e pesada, cavalaria junto com engenheiros) que esteja treinada para lutar em conjunto como um todo coerente - e unida com seu líder. Estes grandes comandantes foram capazes de construir isto sozinhos.
ESTRATÉGIA: em seu sentido original da Grécia, a estratégia se refere a tudo relacionado com as tarefas do general, de táticas de batalha à arte das operações (unir batalhas para alcançar um objetivo maior) até estratégia da guerra (como ganhar uma guerra). Pode-se acrescentar a isto, aquilo que se chama de GRANDE ESTRATÉGIA: o objetivo político mais amplo que serve a uma guerra. Grandes comandantes devem dominar todos eles. Todos estes três grandes comandantes possuíam uma estratégia: Alexandre queria conquistar o império Persa; Aníbal, destruir o poder de Roma; César, conseguir a supremacia política.
TERROR: estavam dispostos a cometer as maiores atrocidades e todos sabiam disto. Logo, seus inimigos os temiam com grande terror.
ESTILO: todos iam para guerra com grandes ambições, logo, precisavam de grandes causas e símbolos claros. Todos eram camaleões. Nenhum era homem do povo, mas todos eram populistas.
DIVINA PROVIDÊNCIA: Napoleão queria generais que não fossem bons, mas também tivessem sorte. Para o sucesso na guerra, sempre a Divina Providência foi essencial. Apesar de todo o planejamento, por mais bem feito que tenha sido, a Divina Providência acaba influenciando em questões decisivas. Como diz o ditado: "o homem planeja, Deus ri".
MESTRES DO COMANDO - ALEXANDRE, ANÍBAL, CÉSAR E OS GÊNIOS DA LIDERANÇA - BARRY STRAUSS

"Homens são aptos a pensar em grandes crises, de forma que, quando tudo foi feito, eles ainda têm algo a fazer e, quando tudo foi dito, eles ainda não falaram o suficiente".

Todos os poderosos líderes de homens possuem traços em comum, que parece ser as condições de sua superioridade.Para começar, dão pouco valor ao que as pessoas comuns cobiçam.
Jamais um líder teve tantas riquezas à sua disposição como teve Napoleão, e tão pouco tomou delas para si. Depois, os homens de gênio, na ação, veem as coisas como elas se apresentam e não como gostariam que fossem.
Napoleão, durante todo o período triunfal de sua carreira, agiu com realismo e fez pouco caso das estruturas organizadas. E mais tarde entrou em declínio "porque havia parado de divergir".
No fundo, continuou grandioso. Não esperando perfeição nos homens, perdoava-lhes facilmente as falhas. "Há vícios e virtudes ditados pelas circunstâncias...", dizia. "Este ou aquele homem pode ser intimamente honesto e, no entanto, praticar uma má ação".
Mente ampla, rápida; inacreditável capacidade de trabalho; honestidade intelectual; nenhuma ilusão sobre a raça humana; a arte de encantar sem bajular, eis o que pode ter mantido a boa fortuna ao seu lado.
Sem dúvida, deve seu fracasso final a uma imaginação muito viva. Seus planos eram admiráveis, mas ele os fazia em excesso. A arte suprema não é ter sucesso, é saber parar".

Livro: Napoleão - André Maurois.

"A questão política constrange as ações militares de duas maneiras: (1) nenhum general consegue realizar ações militares a menos que tenha o apoio de seus homens no campo de batalha e o apoio em casa. (2) Nenhuma vitória militar pode dar frutos a menos que force o inimigo a seguir nossa vontade. Não vale a pena ganhar uma batalha se o inimigo for capaz de continuar lutando".

MESTRES DO COMANDO - ALEXANDRE, ANÍBAL, CÉSAR E OS GÊNIOS DA LIDERANÇA - BARRY STRAUSS

No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise.

Não deve o homem, pelo maior amigo, esquecer os favores recebidos do menor.

PARALELO ENTRE O POLÍTICO E O HOMEM DE ESTADO
O político tem a voluptuosidade do poder. O Homem de Estado, a fascinação de um ideal.
O político tem a magia da transigência e é única a sua finalidade: durar no poder. O homem de Estado tem o fetichismo da intolerância de seus princípios, e nada o afasta da diretriz a que se traçou.
Um é plástico. O outro, irredutível.
Um segue a curva das conveniências. O outro, o fio a prumo do seu destino.
O primeiro pode sofrer todas as influências do meio e acomodar-se às cores, às ideias e à temperatura do ambiente. O segundo é insensível às reações contrárias e é inamolgável.
O político tem em vida as cortesias da popularidade, mas, quando morre, a multidão se diverte em espetar-lhe a língua com estiletes. O Homem de Estado possui fidelidade e pureza de ideais. Não é em vida, vitoriado em carros de triunfos. Mas, à sua morte, o povo o eleva à glorificação dos altares.
É com a matéria prima dos homens de Estado que os regimes plasmam a sua glória.
O político faz-se como o gramático. O homem de Estado nasce, como o poeta.
Um é a conquista do próprio homem, obtida pelo estudo ou pelo interesse. O outro é uma criação que surge de séculos a séculos; é um presente da natureza, uma dádiva do destino.
Um é a glória de uma ambição. O outro é uma apoteose de uma vocação.
O político vive do presente. O homem de Estado do futuro.
Um vive para os seus contemporâneos. O outro se projeta na prosperidade.
Um fala o idioma comum dos homens. O outro, a linguagem mística dos tempos, e, por isso, nem sempre o Homem de Estado pode ser compreendido em vida.
O político surge na vida pública sob os únicos estímulos do seu interesse. O Homem de Estado traz para o poder uma idéia que deve ser posta em marcha.
O político orienta-se pelo interesse privado. O Homem de Estado, pelo interesse público.
Para um, a política é o trapézio, onde as vitórias do cinismo têm as galas de habilidades acrobáticas. Para o Homem de Estado, a ação de governo é um sacerdócio e, em vez de trapézios, deve construir arcos de triunfo.
O renome do político dilata-se facilmente em superfície e atinge muitas vezes ampla popularidade. A fama do Homem de Estado cresce em profundidade, lentamente, mas mergulha suas raízes nas sombras da História e a posteridade aprenderá o seu nome de cor.
Um tem a escassa limpidez do vidro. O outro, a fulguração eterna do diamante.

CIRO O GRANDE, O PODEROSO REI DA PÉRSIA

Ciro II (Kuruš em persa antigo), mais conhecido como Ciro, o Grande, foi rei da Pérsia entre 559 e 530 a.C., ano em que morreu em batalha com os Massagetas. Pertencente à dinastia dos Aquemênidas, foi sucedido pelo filho, Cambises II. Foi o criador do maior império até então visto na História.
Ciro conduziu de acordo com o mandato de justiça zoroastriano, uma série de guerras de defesa e de conquistas. Em 540 a.C., o rei Aquemenes iniciou o ataque à Babilônia, a última ameaça para a Pérsia no oeste. Organizando parte de seu exército como chamariz, Ciro atraiu o rei corrupto Nabonidus e seu exército para fora da cidade. Então, ele e as forças remanescentes postaram-se diante dos muros da Babilônia. Vagarosamente os portões se abriram e as pessoas acenaram para Ciro entrar. Uma vez lá dentro, o rei da Pérsia caminhou sobre um tapete de folhas perfumadas espalhadas no grande centro onde a poderosa Babilônia se libertou da ditadura injusta de Nabonidus. Rejeitando a imagem de conquistador, Ciro assumiu os títulos tradicionais da monarquia babilônica e aceitou os deuses babilônicos. De acordo com um relato da rendição da Babilônia escrita em um papiro persa: “todos os habitantes curvaram-se diante dele e beijaram seus pés...” Felizes, eles saudaram-no como um mestre cuja ajuda os tinha trazido de volta à vida e evitado o dano e o desastre, e eles louvaram o seu nome. Esse reconhecimento de Ciro como um libertador também foi confirmado pelos que não eram persas. Foi Ciro, o Libertador, que pôs em liberdade os judeus, tirando-os de seu cativeiro babilônico, devolvendo-lhes o que restou de seu ouro e de sua prata confiscados por Nabucodonosor e enviando-os para casa a fim de poderem reconstruir o templo em Jerusalém.
Da Babilônia, Ciro foi para o oeste e para o leste. Sua reputação de tolerante precedia seus exércitos, adicionando ao poderio militar persa a cooperação de elementos dissidentes dentro dos territórios que ele procurava anexar. Em uma geração, ele construiu um império que excedia em tamanho o exército dos egípcios, assírios e babilônios, e cujos limites transpunham os rios Nilo, Indo e o mar Egeu, e que se estendia de norte a sul, da África até a China.
Como um tributo a suas políticas de idealismo e pragmatismo, o império de Ciro não foi apenas grande, foi também estável, porque:

... “os persas perceberam o que nunca tinha acontecido aos assírios e outros poderes imperialistas daquela época: que interesse nacional não tem que se expressar apenas em caráter vingativo, que não é necessariamente prejudicado pelo respeito por interesses nacionais menores e que a tolerância compensa”...

"Os povos que perdem a liberdade pela força, pela força haverão de reconquista-la. Mas os que perdem a liberdade por descuido, estes demorarão muito a voltar a ser livres."

"Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o fito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder." George Orwell (1984)

nenhuma guerra pode ser vencida sem a compreensão precisa dos objetivos e da disponibilidade de meios¸ ou sem o o cálculo racional das capacidades e das oportunidades, ou o estabelecimento dos limites éticos ao uso da força - sempre submetida aos objetivos políticos estabelecidos.

Yerushalaim Shel Zahav

O ar da montanha é límpido como o vinho
E o perfume dos pinheiros é carregado na brisa do lusco-fusco
Entre os sons dos sinos.
E no contraste de árvore e pedra
Capturado nos seus sonhos
A cidade assenta-se solitária
E no seu meio está o muro.

Jerusalém de ouro,
e de bronze, e de luz
Entre tudo isso sou um violino para todas as suas canções.

Como as cisternas secaram
O mercado está vazio
E ninguém mais freqüenta o Monte do Templo
Na cidade antiga.

E nas grutas na montanha
Os ventos estão contidos
E ninguém mais desce para o Mar Morto
Pelos caminhos de Jericó

Jerusalém de ouro,
e de bronze, e de luz
Entre tudo isso eu sou um violino para todas as suas canções.

Mas assim como eu venho cantar hoje para ti,
E adornar coroas para ti (contar suas preces)
Eu sou o menor das mais jovens de suas criancinhas
(ou seja, sou o menos honrado a fazê-lo)
E o último dos poetas nascidos

Pelo seu nome cerram-se os lábios
Como o beijo de um Serafim
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
O qual é todo ouro....

Jerusalém de ouro,
e de bronze, e de luz
Entre tudo isso eu sou um violino para todas as suas canções. Nós voltamos para as cisternas
Ao mercado e ao local do mercado
Um shofar pode ser ouvido a chamar para o Monte do Templo

Na velha cidade
E nas suas grutas na montanha
Milhares de sois brilham

Nós desceremos mais uma vez ao Mar Morto
Pelo caminho de Jericó.

Constitui para mim uma honra e uma alegria falar diante desta Câmara Alta, diante do Parlamento da minha Pátria alemã, que se reúne aqui em representação do povo, eleita democraticamente para trabalhar pelo bem da República Federal da Alemanha. Quero agradecer ao Senhor Presidente do Bundestag o convite que me fez para pronunciar este discurso, e também as amáveis palavras de boas-vindas e de apreço com que me acolheu. Neste momento, dirijo-me a vós, prezados Senhores e Senhoras, certamente também como concidadão que se sente ligado por toda a vida às suas origens e acompanha solidariamente as vicissitudes da Pátria alemã. Mas, o convite para pronunciar este discurso foi-me dirigido a mim como Papa, como Bispo de Roma, que carrega a responsabilidade suprema da Igreja Católica. Deste modo, vós reconheceis o papel que compete à Santa Sé como parceira no seio da Comunidade dos Povos e dos Estados. Na base desta minha responsabilidade internacional, quero propor-vos algumas considerações sobre os fundamentos do Estado liberal de direito.

Seja-me permitido começar as minhas reflexões sobre os fundamentos do direito com uma pequena narrativa tirada da Sagrada Escritura. Conta-se, no Primeiro Livro dos Reis, que Deus concedeu ao jovem rei Salomão fazer um pedido por ocasião da sua entronização. Que irá pedir o jovem soberano neste momento tão importante: sucesso, riqueza, uma vida longa, a eliminação dos inimigos? Não pede nada disso; mas sim: «Concede ao teu servo um coração dócil, para saber administrar a justiça ao teu povo e discernir o bem do mal» (1 Re 3, 9). Com esta narração, a Bíblia quer indicar-nos o que deve, em última análise, ser importante para um político. O seu critério último e a motivação para o seu trabalho como político não devem ser o sucesso e menos ainda o lucro material. A política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz. Naturalmente um político procurará o sucesso, sem o qual não poderia jamais ter a possibilidade de uma ação política efetiva; mas o sucesso deve estar subordinado ao critério da justiça, à vontade de atuar o direito e á inteligência do direito. É que o sucesso pode se tornar também um aliciamento, abrindo assim a estrada à falsificação do direito, à destruição da justiça. «Se se põe á parte o direito, em que se distingue então o Estado de uma grande banda de salteadores?» – sentenciou uma vez Santo Agostinho (Decivitate Dei IV, 4, 1). Nós, alemães, sabemos pela nossa experiência, que estas palavras não são um fútil espantalho. Experimentamos a separação entre o poder e o direito, o poder colocar-se contra o direito, o seu espezinhar o direito, de tal modo que o Estado se tornara o instrumento para a destruição do direito: tornara-se uma banda de salteadores muito bem organizada, que podia ameaçar o mundo inteiro e impelí-lo até à beira do precipício. Servir o direito e combater o domínio da injustiça é e permanece a tarefa fundamental do político. Num momento histórico em que o homem adquire um poder até agora impensável, esta tarefa torna-se particularmente urgente. O homem é capaz de destruir o mundo. Pode manipular a si mesmo. Pode, por assim dizer, criar seres humanos e excluir outros seres humanos de serem homens. Como reconhecemos o que é justo? Como podemos distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro direito e o direito apenas aparente? O pedido de Salomão permanece a questão decisiva perante a qual se encontram também hoje o homem político e a política.

Grande parte da matéria que se deve regular juridicamente, pode ter por critério suficiente o da maioria. Mas é evidente que, nas questões fundamentais do direito em que está em jogo a dignidade do homem e da humanidade, o princípio maioritário não basta: no processo de formação do direito, cada pessoa que tem responsabilidade deve ela mesma procurar os critérios da própria orientação. No século III, o grande teólogo Orígenes justificou assim a resistência dos cristãos a certos ordenamentos jurídicos em vigor: «Se alguém se encontrasse no povo de Scizia que tem leis irreligiosas e fosse obrigado a viver no meio deles, (…) estes agiriam, sem dúvida, de modo muito razoável se, em nome da lei da verdade que precisamente no povo da Scizia é ilegalidade, formassem juntamente com outros, que tenham a mesma opinião, associações mesmo contra o ordenamento em vigor» [Contra Celsum GCSOrig. 428 (Koetschau); cf. A. Fürst, «Monotheismus und Monarchie. ZumZusammenhang von Heil und Herrschaft in der Antike», inTheol.Phil. 81(2006) 321-338; a citação está na página 336; cf. também J. Ratzinger, DieEinheit der Nationem, Eine Vision der Kirchenväter (Salzburg-München1971) 60].
Com base nesta convicção, os combatentes da resistência agiram contra o regime nazista e contra outros regimes totalitários, prestando assim um serviço ao direito e à humanidade inteira. Para estas pessoas era evidente e de modo incontestável que, na realidade, o direito vigente era injustiça. Mas, nas decisões de um político democrático, a pergunta sobre o que corresponda agora à lei da verdade, o que seja verdadeiramente justo e possa tornar-se lei não é igualmente evidente. Hoje, de fato, não é de per si evidente aquilo que seja justo e possa tornar-se direito vigente relativamente às questões antropológicas fundamentais. À questão de saber como se possa reconhecer aquilo que verdadeiramente é justo e, deste modo, servir a justiça na legislação, nunca foi fácil encontrar resposta e hoje, na abundância dos nossos conhecimentos e das nossas capacidades, uma tal questão tornou-se ainda muito mais difícil.

Como se reconhece o que é justo? Na história, os ordenamentos jurídicos foram quase sempre religiosamente motivados: com base numa referência à Divindade, decide-se aquilo que é justo entre os homens. Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, nunca impôs um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão objetiva e subjetiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fundadas na Razão criadora de Deus. Deste modo, os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II (a.C.). De fato, na primeira metade do século II pré-cristão, deu-se um encontro entre o direito natural social, desenvolvido pelos filósofos estóicos, e autorizados mestres do direito romano [cf. W.Waldstein, Ins Herz geschrieben. Das Naturrecht als Fundament einermenschlichen Gesellschaft(Augsburg 2010) 11ss; 31-61]. Neste contato nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade. Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos e depois à nossa Lei Fundamental alemã, pela qual o nosso povo reconheceu, em 1949, «os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça no mundo».

Foi decisivo para o desenvolvimento do direito e o progresso da humanidade que os teólogos cristãos tivessem tomado posição contra o direito religioso, requerido pela fé nas divindades, e se tivessem colocado da parte da filosofia, reconhecendo como fonte jurídica válida para todos a razão e a natureza na sua correlação. Esta opção realizara-a já São Paulo, quando afirma na Carta aos Romanos: «Quando os gentios que não têm a Lei [a Torah de Israel], por natureza agem segundo a Lei, eles (…) são lei para si próprios. Esses mostram que o que a Lei manda praticar está escrito nos seus corações, como resulta do testemunho da sua consciência»(Rm 2, 14-15). Aqui aparecem os dois conceitos fundamentais de natureza e de consciência, sendo aqui a «consciência» o mesmo que o «coração dócil» de Salomão, a razão aberta à linguagem do ser. Deste modo se até à época do Iluminismo, da Declaração dos Direitos Humanos depois da II Guerra Mundial e até à formação da nossa Lei Fundamental, a questão acerca dos fundamentos da legislação parecia esclarecida, no último meio século verificou-se uma dramática mudança da situação. Hoje considera-se a idéia do direito natural uma doutrina católica bastante singular, sobre a qual não valeria a pena discutir fora do âmbito católico, de tal modo que quase se tem vergonha mesmo só de mencionar o termo. Queria brevemente indicar como se veio a criar esta situação. Antes de mais nada é fundamental a tese segundo a qual haveria entre o ser e o dever ser um abismo intransponível: do ser não poderia derivar um dever, porque se trataria de dois âmbitos absolutamente diversos. A base de tal opinião é a concepção positivista, quase geralmente adotada hoje, de natureza. Se se considera a natureza – no dizer de Hans Kelsen – «um agregado de dados objetivos, unidos uns aos outros como causas e efeitos», então realmente dela não pode derivar qualquer indicação que seja de algum modo de carácter ético (Waldstein, op. cit., 15-21). Uma concepção positivista de natureza, que compreende a natureza de modo puramente funcional, tal como a conhecem as ciências naturais, não pode criar qualquer ponte para a ética e o direito, mas suscitar de novo respostas apenas funcionais. Entretanto o mesmo vale para a razão numa visão positivista, que é considerada por muitos como a única visão científica. Segundo ela, o que não é verificável ou falsificável não entra no âmbito da razão em sentido estrito. Por isso, a ética e a religião devem ser atribuídas ao âmbito subjetivo, caindo fora do âmbito da razão no sentido estrito do termo. Onde vigora o domínio exclusivo da razão positivista – e tal é, em grande parte, o caso da nossa consciência pública –, as fontes clássicas de conhecimento da ética e do direito são postas fora de jogo. Esta é uma situação dramática que interessa a todos e sobre a qual é necessário um debate público; convidar urgentemente para ele é uma intenção essencial deste discurso.

O conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto, uma parcela grandiosa do conhecimento humano e da capacidade humana, à qual não devemos de modo algum renunciar. Mas ela mesma no seu conjunto não é uma cultura que corresponda e seja suficiente ao ser humano em toda a sua amplitude. Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando todas as outras realidades culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes, ameaça a sua humanidade. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito, reduzindo todas as outras convicções e os outros valores da nossa cultura ao estado de uma subcultura. Assim coloca-se a Europa, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais. A razão positivista, que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de cimento armados em janelas, nos quais nos damos o clima e a luz por nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus. E no entanto não podemos iludir-nos, pois em tal mundo auto construído bebemos em segredo e igualmente nos “recursos” de Deus, que transformamos em produtos nossos. É preciso tornar a abrir as janelas, devemos olhar de novo a vastidão do mundo, o céu e a terra e aprender a usar tudo isto de modo justo.

Mas, como fazê-lo? Como encontramos a entrada justa na vastidão, no conjunto? Como pode a razão reencontrar a sua grandeza sem escorregar no irracional? Como pode a natureza aparecer novamente na sua verdadeira profundidade, nas suas exigências e com as suas indicações? Chamo à memória um processo da história política recente, esperando não ser mal entendido nem suscitar demasiadas polémicas unilaterais. Diria que o aparecimento do movimento ecológico na política alemã a partir dos Anos Setenta, apesar de não ter talvez aberto janelas, todavia foi, e continua a ser, um grito de janela por ar fresco, um grito que não se pode ignorar nem acantonar, porque se vislumbra nele muita irracionalidade. Pessoas jovens deram-se conta de que, nas nossas relações com a natureza, há algo que não está bem; que a matéria não é apenas uma material para nossa feitura, mas a própria terra traz em si a sua dignidade e devemos seguir as suas indicações. É claro que aqui não faço propaganda por um determinado partido político; nada me seria mais alheio do que isso. Quando na nossa relação com a realidade há qualquer coisa que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura. Seja-me permitido deter-me um momento mais neste ponto. A importância da ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente. Mas quero insistir num ponto que – a meu ver –, hoje como ontem, é descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando respeita a natureza e a escuta e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana.

Voltemos aos conceitos fundamentais de natureza e razão, donde partíramos. O grande teórico do positivismo jurídico, Kelsen, em 1965 – com a idade de 84 anos (consola-me o fato de ver que, aos 84 anos, ainda se é capaz de pensar algo de razoável) –, abandonou o dualismo entre ser e dever ser. Antes, ele tinha dito que as normas só podem derivar da vontade. Consequentemente – acrescenta ele – a natureza só poderia conter em si mesma normas, se uma vontade tivesse colocado nela estas normas. Mas isto – diz ele – pressuporia um Deus criador, cuja vontade se inseriu na natureza. «Discutir sobre a verdade desta fé é absolutamente vão» – observa ele a tal propósito (citado segundo Waldstein, op.cit., 19). Mas sê-lo-á verdadeiramente? – apetece-me perguntar. É verdadeiramente desprovido de sentido refletir se a razão objetiva que se manifesta na natureza não pressuponha uma Razão criadora, um Creator Spiritus?

Aqui deveria vir em nossa ajuda o património cultural da Europa. Foi na base da convicção sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a idéia dos direitos humanos, a idéia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade humana em cada pessoa e a consciência da responsabilidade dos homens pelo seu agir. Estes conhecimentos da razão constituem a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero passado seria uma amputação da nossa cultura no seu todo e privá-la-ia da sua integralidade. A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.

Ao jovem rei Salomão, na hora de assumir o poder, foi concedido formular um seu pedido. Que sucederia se nos fosse concedido a nós, legisladores de hoje, fazer um pedido? O que é que pediríamos? Penso que também hoje, em última análise, nada mais poderíamos desejar que um coração dócil, a capacidade de distinguir o bem do mal e, deste modo, estabelecer um direito verdadeiro, servir a justiça e a paz. Agradeço-vos pela vossa atenção!

Os marxistas previram o fim da religião. Com o fim da opressão, o remédio representado por Deus não teria mais razão de ser, dizia-se. Mas também eles foram obrigados a reconhecer que o sentimento religioso nunca acabou porque está verdadeiramente enraizado no homem.

O VALOR DA PERSISTÊNCIA

Um cortador de pedras martela a rocha centenas de vezes. Chega uma hora que a rocha se abre em duas.
Não por causa da última martelada, mas sim por força de todas que a precederam!