Poemas de Manoel de Barros

Cerca de 79 poemas de Manoel de Barros

"Os bens do poeta: um fazedor de inutensílios, um
travador de amanhecer, uma teologia do traste, uma
folha de assobiar, um alicate cremoso, uma escória
de brilhantes, um parafuso de veludo e um lado
primaveril”.

( excerto "XII - Sábia com trevas", no livro "Arranjos para assobio" (1980), em 'Poesia completa: Manoel de Barros'. São Paulo: Editora Leya, 2010.)

“Os patos prolongam meu olhar... Quando passam levando a tarde para longe eu acompanho”...

(Extraído do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record - Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)

"...O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
- Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.”

As folhas das árvores caem para nos ensinar a cair sem alardes.
Manoel de Barros.

Meditei sobre as borboletas. (...) Vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.

Manoel de Barros
BARROS, M. Memórias Inventadas: A Terceira Infância. São Paulo: Planeta, 2008.

Cristo foi um dos grandes poetas do mundo - tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias.

Manoel de Barros

Nota: Trecho da entrevista "Manoel de Barros busca na ignorância a fonte da poesia" publicada no Jornal Folha de São Paulo em 14/11/1993.

...Mais

A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal.

Manoel de Barros

Nota: Trecho da entrevista publicada na edição 117 de Caros Amigos, em 2008.

A poesia! A poesia está guardada nas palavras, é tudo que eu sei.
Meu fado é não entender quase tudo; sobre o nada eu tenho profundidades. Eu não cultivo conexões com o real. Para mim poderoso não é aquele que descobre o ouro; poderoso pra mim é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas. Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado e chorei. Sou fraco para elogios.

[É preciso] desinventar os objetos. O pente, por exemplo. É preciso dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

Manoel de Barros
BARROS, M. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.

“Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se inclui a sedução. É quando a pássara está namorada que ele gorjeia.”
Manoel de Barros

⁠O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê... É preciso transver o mundo.

Manoel de Barros
Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Auto-Retrato Falado

Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

Manoel de Barros
BARROS, M. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2011.

Em rios correntes
uma pedra
leva quase cem anos
para ter murmúrios

“Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. São viúvas de Xaraés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens”>

(trecho do livro em PDF: Meu quintal é maior do que o mundo [recurso eletrônico])

“No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos”.

(trecho extraído do livro em PDF: Meu quintal é maior que o mundo)

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir os seus encantos.
A ciência não pode medir quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

Manoel de Barros
Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

Manoel de Barros
Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
Inserida por pensador

Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros. A sensatez me absurda. Os delírios verbais me terapeutam.

Manoel de Barros
Meu quintal é maior do que o mundo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.