Pensamentos de Clarice Lispector
Além do mais, o homem que sou, tenta em vão inquieto acompanhar os meandros bizantinos de uma mulher, com desvãos e cantos e ângulos e carne fresca – e de repente espontânea como uma flor.
Eu sou uma mulher objeto e minha aura é vermelha vibrante e competente.
Sem estar agora sendo irônica, sou uma mulher de espírito.
Ora essa, sou uma mulher simples e um pouquinho sofisticada. Misto de camponesa e de estrela no céu.
Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Eu sou uma pergunta de certo. Uma pergunta que não deseja ser respondida. Que também não se contenta com as respostas porque acha tudo um tanto quanto relativo. Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar. E meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto. Quero tudo! Agora!
E, se você me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.
Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
Por pura sede de vida melhor estamos sempre à espera do extraordinário que talvez nos salve de uma vida contida.
Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu.
O mal é que a minha esperança ou é inexistente ou forte demais – esperança forte demais é “infantil”.
Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. [...] O caminho lento aumenta sua coragem secreta.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.
Era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra “realidade” não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus.
Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par: como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho do inconsciente.