Poemas de Machado de Assis
[O coração] é o relógio da vida. Quem não o consulta, anda naturalmente fora do tempo.
A amizade lhe fará esquecer o amor; é mais serena que ele, e talvez menos exposta a perecer.
A amizade era, em mim, desde muito, a simples sentinela do amor; não podendo mais contê-lo, deixou que ele saísse.
Quando um homem sente em si uma grande ambição, não pode deixar de realizá-la, porque justamente nesse caso é que se deve aplicar o querer é poder.
Jesus Cristo não distribui os governos deste mundo. O povo é que os entrega a quem merece.
Se achares três mil-réis, leva-os à polícia; se achares três contos, leva-os a um banco.
Os sapateiros não fariam mais sapatos, se acreditassem que todos iam nascer com pernas de pau.
É difícil estar entre políticos muito tempo sem adquirir a febre que os devora.
Quando uma criatura ama, (...) todos os meios de poupar-lhe as comoções são nulos.
As assembleias não se inventaram para conciliar os homens, mas para legalizar o desacordo deles.
Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é de um joalheiro.
Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos andassem de carruagem.
Pascal é um dos meus avôs espirituais; e, conquanto a minha filosofia valha mais que a dele, não posso negar que era um grande homem. Ora, que diz ele nesta página? [...] Diz que o homem tem “uma grande vantagem sobre o resto do universo: sabe que morre, ao passo que o universo ignora-o absolutamente”. Vês? Logo, o homem que disputa o osso a um cão tem sobre este a grande vantagem de saber que tem fome; e é isto que torna grandiosa a luta, como eu dizia. “Sabe que morre” é uma expressão profunda; creio todavia que é mais profunda a minha expressão: sabe que tem fome. Porquanto o fato da morte limita, por assim dizer, o entendimento humano; a consciência da extinção dura um breve instante e acaba para nunca mais, ao passo que a fome tem a vantagem de voltar, de prolongar o estado consciente.
Por que é que uma mulher bonita olha muitas vezes para o espelho, senão porque se acha bonita, e porque isso lhe dá certa superioridade sobre uma multidão de outras mulheres menos bonitas ou absolutamente feias?
Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.
Eu creio que a senhora sonha talvez demais. Sonhará uns amores de romance, quase impossíveis? Digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.
A natureza tem suas leis imperiosas; e o homem, ser complexo, vive não só do que ama, mas também (força é dizê-lo) do que come.
A Corte divertia-se, como sempre se divertiu, mais ou menos, e para os que transpuseram a linha dos cinquenta divertia-se mais do que hoje, eterno reparo dos que já não dão à vida toda a flor dos seus primeiros anos. Para os varões maduros, nunca a mocidade folga como no tempo deles, o que é natural dizer, porque cada homem vê as coisas com os olhos da sua idade. Os recreios da juventude não são decerto igualmente nobres, nem igualmente frívolos, em todos os tempos; mas a culpa ou o merecimento não é dela, – a pobre juventude, – é sim do tempo que lhe cai em sorte.
A deliciosa paisagem ia ter enfim uma alma; o elemento humano vinha coroar a natureza.
Sua natureza exigia e amava essas flores do coração, mas não havia esperar que as fosse colher em sítios agrestes e nus, nem nos ramos do arbusto modesto plantado em frente de janela rústica. Ela queria-as belas e viçosas, mas em vaso de Sèvres, posto sobre móvel raro, entre duas janelas urbanas, flanqueado o dito vaso e as ditas flores pelas cortinas de caxemira, que deviam arrastar as pontas na alcatifa do chão.