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A poesia

A poesia é um modo de compreensão e de expressão. É uma atitude em face do universo e uma modalidade de tradução dessa atitude. O poeta, como o físico, o matemático, o metafísico ou o místico, é um contemplativo, que procura penetrar na essência das coisas e das pessoas para descobrir o seu segredo. Pode aproximar-se mais ou menos de qualquer desses seus companheiros de viagem e de estudo, conforme se prende mais ou menos à aparência ou à essência das coisas.
O poeta é mesmo, de certo modo, o mais completo e o mais livre de todos esses perscrutadores do mistério das coisas. Pois nada lhe é estranho na natureza, animada ou inanimada. E será tanto maior ou mais profundo quanto mais amplo o seu campo de penetração em todos esses domínios. Raros são aqueles, como Dante ou Goethe, que dedilharam todas as cordas. Mas sempre se esforçam, quando sobem um pouco acima do nível médio, por compreender a “alma das coisas”, como o tentou Lucrécio. E por compreendê-la sob o signo da “unidade” formal das revelações e repercussões secretas entre os seres. Tanto é “analítica” a natureza da ciência ou da filosofia, quanto “sintética” a da poesia. O filósofo perscruta o universo dissecando-o em seus elementos simples e últimos. O poeta reúne esses elementos esparsos e descobre as suas afinidades profundas, dando vida ao inanimado e introduzindo no mundo das realidades ontológicas que o filósofo percorre ou no das leis materiais e numéricas que o físico ou o matemático descobrem -- a riqueza indefinida das “criações” do espírito humano ao longo dos tempos e na sua própria imaginação. O que sucede, freqüentemente, nesse terreno, é que alguns filósofos fazem poesia e certos poetas, filosofia. Há mesmo modernamente a tendência a transformar a filosofia num capítulo da poesia ou da arte em geral, como por exemplo pretende Keyserling.
O segundo aspecto da poesia é ser uma determinada forma de expressão. É ser “verso”, também. Quando o poeta contempla – “poetiza” – (sem trocadilho); quando exprime – “verseja”. O verso pode ser livre ou disciplinado, pode ser ritmo, rima ou ambas as coisas, na variedade indefinida de suas espécies, tradicionais ou modernas. O que nunca deixa de ser, porém, sob pena de perder a sua natureza e ceder à prosa, de que às vezes apenas o separa a sutileza do leitor prevenido, – é uma forma de expressão que se distingue justamente pela “atenção”, pela “demora”, pelo “cuidado” com a própria expressão verbal. A poesia é a valorização da palavra. É a intensificação, não apenas do “que” se exprime, mas de “como” se exprime. É a acentuação no meio de exprimir e não apenas no objeto que se quer exprimir.
A prosa é, ao contrário, a acentuação, a intensificação, a valorização do objeto a ser comunicado com a eliminação possível de todas as resistências verbais. Juntas constituem a “arte-literária”, que é fundo e forma, participação e comunicação, apenas graduados em sua expressão e sob o signo último da beleza, que é a lei interna e indefinível da atitude do artista, perante a vida.
Se a poesia é “uma”, portanto, em sua essência, é múltipla em seus gêneros e ainda mais variável em sua individualização. Cada poeta nos dá da poesia uma imagem diferente, na base de uma participação geral às raízes comuns dessa atitude específica perante o universo.
Divergem, pois, de modo radical entre si, dentro dos limites amplos que apontamos. E essa “diversidade” é que desejo acentuar neste grupo de obras recentes aqui publicadas e que pertencem a poetas de gerações diversas e de poéticas diferentes mais ou menos distribuídas por duas grandes vertentes literárias – a dos “interiores”, que projetam o seu “eu” sobre o mundo, e a dos “refletores”, que se deixam antes penetrar pela natureza e pelo mundo ambiente.
À segunda dessas categorias pertence o nosso Rostand. Poeta de larga e merecida popularidade nos meios literários e sociais vêm-nos do período que mediou entre o fim do simbolismo e o advento do modernismo, embora conserve tanto em sua estampa como em seus versos a mesma mocidade de há trinta anos.

Eliezer Lemos