Coleção pessoal de SilvioFagno

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⁠Ainda Éramos Nós -

Eram sete e dezessete de uma noite
quente de segunda-feira, de um
fevereiro sem Carnaval.
E lá se vão quase duas décadas
de amizade.

Éramos jovens, cheios de sonhos
e de tempo,
e nem imaginávamos que,
quase vinte anos
depois, (meio às pressas),
ainda estaríamos assim, como antes.

Muita coisa aconteceu
desde então:
algumas nasceram para o bem,
outras se perderam,
mas, enfim,
ainda estávamos alí por algum motivo.
Por tantos motivos, afinal, mas
por uma única razão:
Ainda éramos
nós.

E,
então,
alí, naquele local,
por alguns segundos,
entre uma palavra e outra,
entre um acorde e outro,
entre um riso e outro,
eu reparei em nós quatro ali juntos
como nos velhos tempos,
como nos últimos encontros a cada
três anos e, enquanto nos despedíamos,
eu pensei:

"Poxa, será que teremos a chance
de um novo encontro?
Droga,
ainda somos tão jovens,
eu não deveria estar pensando
nisso."

Mas eu pensei.

⁠É de Partir o Coração, e Eu Sei. Mas Eu Preciso Dizer -

Quando sentir que tem algo imenso,
nobre e cuidadoso, alimenta-o
de mais vontade.

E se por acaso houver uma enorme
distância contra esse amor,
resista:
continua firme, diminuindo-a.

Se além disso há pessoas lutando
contra essa união,
mostra-se mais forte e corajoso
que essas,
e siga adiante, firme, em nome desse
sentimento.

Se ainda assim o mundo tentar impor "dificuldades", tais como:
Classe social;
Cor da pele;
Ou religião, então, revoluciona:
Inventa uma liberdade qualquer ou qualquer outra coisa sem nome, e continua mais
firme ainda.

Agora, se tem um sentimento imenso,
nobre e cuidadoso, e a única coisa
contra esse amor é o outro,
sinto muito. Sinto muito
mesmo:

É inútil!

⁠Abraço a Tristeza e Descanso -

Eu sinto-me menos mal quando
decido estar triste ao invés
de irritado.
O estado de tristeza incomoda,
machuca,
porém muito menos do que
o de fúria.

A tristeza costuma acolher-me e,
de certo modo, acalmar-me.
A fúria não.
A fúria é destrutiva.
Extremamente destrutiva.

A maioria tem-na como uma forma
de defesa e de ataque, mas,
na verdade,
ela ataca-nos na mesma
intensidade, e isso causa um
enorme mal.

Prefiro ser um tolo triste e, talvez,
sábio — recolhendo-me e ficando
em silêncio —
a ser um tolo furioso e idiota,
cheio de ódio.
(Ainda que a vida cobre‐me o contrário).

Entre estar furioso ou estar triste
(em silêncio), afasto-me:
abraço a tristeza e descanso.

⁠Quase Ninguém Vê –

Há sempre uma tragédia acontecendo
por trás de cada "estou bem",
"é normal", "não ligo", e
quase ninguém vê.

Infelizmente,
normalizamos e banalizamos
algo tão sério:

O coração das pessoas.

⁠Aqueles Tempos –

Que tempos foram aqueles:

A lua,
ainda quando era apenas
um pequeno risco feito a giz no céu,
em mim,
era o universo inteiro.

⁠O Cão Triste –

Certa manhã, enquanto eu cruzava um terreno que fica atrás da
minha casa,
fui surpreendido por um cão
que está sempre preso
naquele local.

Ao passar perto do animal
e quase pisoteá-lo,
ele tentou, por duas vezes,
morder-me.
No susto eu o olhei e,
só então, vi:

Olhos de tristeza. — tristes olhos de mágoas e tristezas de um pobre cão preso.
E eu quase o pisei.
O pisoteei em todos os outros
dias quando o ignorei.

Então, ele olhou-me com seus olhos de remela e mágoas e tristezas e, como num
clamor, parecia dizer:

"Olha, a minha vida é isto — esse chão sujo, áspero, quente, de dias e noites de solidão, preso a uma corda velha e suja, já tatuada
em meu pescoço.

Eu não sou aquela pedra imóvel
e alheia a tudo que está
aí à sua frente.
Nem esses gravetos secos e ponteagudos próximos
aos seus pés.
Eu emito sons, eu pulo, eu corro, eu me alimento, eu sinto dor,
eu preciso de carinho e cuidados, e dizem até que sou o melhor amigo do homem.
Mas, e o homem?

Vivo neste mísero espaço de terra e entulho desde que cheguei
aqui, amigo.
Nem nome deram-me.

Vejo outros cães livres (com seus problemas), mas livres — sem uma corda presa ao seu pescoço — servindo para lembrar-lhes que há uma saída, uma última saída,
mas, para mim, nem essa."

Aquilo me cortou o peito,
e tudo que eu pude fazer foi ir até minha casa, juntar um pouco de comida e água e levar até aquele sofrido cão revoltado que, àquela altura, me recebera com alguma cordialidade (animal).

Deixei-o comendo — apressado, voraz — aqueles restos de restos,
e vim embora.

Mas aqueles olhos tristes,
aqueles olhos sofridos e magoados.
Aquele quase clamor uivado
e interno,
aquela revolta, aquela corda
no pescoço ainda... ainda
sufocam-me.

⁠Traição –

Naquele dia eu morri.
Sim, eu morri.
Mas morri porque
mataram-me.

Eu não queria morrer. — em mim,
havia sonhos, havia desejos,
havia sentimentos.
Mas, naquele dia, mataram
tudo.
— Mataram os dias seguintes,
as semanas seguintes, os meses... aquele ano inteiro e todos os outros dias até este.
Mataram-me e dançaram sobre
meus restos mortais.

Ainda estou no chão
— quase imóvel, fragmentado, esquecido —
mas há um sol nascendo de dentro para fora,
forte como uma criança que cresceu,
mas não desaprendeu sua
melhor brincadeira.

⁠Circos Pobres -

⁠As redes sociais são como
circos pobres — de essência.
Com palhaços infelizes, superficiais e sem
muito talento.

Mas quando as cortinas se abrem (ainda que as piadas sejam
repetidas, vãs e, muitas
vezes, levianas),
é preciso divertir a plateia
— também de palhaços —
tão infelizes, medíocres e
superficiais quanto
todos eles.

⁠Cruel –

Não estamos prontos para
a verdade.
Nunca estivemos, nunca
estaremos.

Sapos aparecem quando insetos
aparecem. — é a natureza
das coisas.
Embora o resultado disso (em que insetos são engolidos vivos), possa parecer, um tanto quanto, cruel, é apenas o fluxo natural
das coisas.

O SER HUMANO É CRUEL! — pois tem a consciência dos seus
atos — da dor do outro,
do sofrimento
do outro.

Mente conscientemente; maltrata conscientemente; mata
conscientemente.

Não estamos prontos para
a verdade:
Culpamos a sorte;
Culpamos o destino;
Culpamos a vida — nunca a
nós mesmos.

Culpamos deuses e diabos — nunca, nunca a nós mesmos.

Não estamos prontos para
a verdade.
Nunca estivemos, nunca
estaremos.

⁠Um Abismo –

⁠Minha felicidade é só um detalhe:
Um olhar, um sorriso...






— um abismo.

⁠Meu Pai –

Meu pai está sempre
exagerando nas
coisas:
Eu digo-lhe: "Pai,
quando for à rua
traga-me três sardinhas,
daquelas com molho."

Dez minutos depois chega ele
com cinco sardinhas. – e eram
uma e meia da tarde de um
sábado quente de verão.

Já perdi a conta de quantas vezes
eu acordei e percebi que ele já havia descarregado todo o carro,
subido, silenciosamente, as escadas trazendo minhas roupas
e os pães e o que mais havia.
Depois, cuidadosamente, preparado o café (que se não esfriasse, duraria três dias), enquanto, paralelamente, lavava
os pratos e copos e talheres do meu dia anterior ao dia anterior daquele dia.

Meu pai está sempre fazendo coisas a mais para poupar-nos
da coisa maior.

Exagerado, ele sempre diz:
"se não sobrar não deu".

Meu pai sempre foi muito calado
e discreto com as palavras,
mas sempre fez e faz o que pode
e um pouco mais por todos nós,
em gestos simples, nobres e
exagerados de amor.
Digo, MUUUUITO
AMOR!

⁠⁠Um Alívio –

O Velho Buk tinha razão.
Assim, vos digo:
Algum tipo de paz começa,
quando você começa a
diminuir certas coisas:

Primeiro,
a quantidade de pessoas com
as quis você tem algum tipo
de relação na vida;
Depois,
a importância dessas pessoas;
E por fim,
as expectativas sobre essas
pessoas.

Felicidade? Não, não acredito
em tanto.
Talvez uma espécie de alívio
— algo como um caminho
a algum tipo de paz.

⁠Confusão –

Têm pessoas que
vivem para o
apego.
Outras para o
estrago.

E a vida
— divertidamente trágica —
(por todas elas e aos
pranto de tanto rir),
só se dá o trabalho
de apresentá–las.

⁠De Sorte –

⁠Se você já me viu feliz
— genuinamente feliz —
acredite:
você é uma pessoa
de sorte.

⁠Apesar –

A vida — incompreensível —
pode ser incrível, apesar
de tantos, apesar de
muitos — apesar
de tudo.

Difícil Mesmo –

Estar triste é suportável.

Difícil,
difícil mesmo é estar
desanimado, angustiado,
perdido.

⁠⁠Por que Vivo –

Confesso que, às vezes,
é bastante revoltante pensar
que: não importa o que se faça
(de bom ou de ruim),
um dia
— e pode ser hoje mesmo —
sem mais, tudo acabará.

Seremos reduzidos,
fisicamente
a nada.
Sem chance para um novo abraço, uma nova conversa ou
um novo reencontro.

De certo modo,
ainda viveremos enquanto
alguém lembrar–nos.
Mas nada, nada mais será acrescentado de nossa
parte.
Mas sinto que se eu tivesse o amor dela (assim como
sinto que tenho de alguns
outros),
não teria motivos para pensar nisso.

Pois o peso da vida não é lembrar que irei (como todo mundo), morrer.
O peso da vida é esquecer
por que vivo.

⁠De Coração -

Morrendo como todo
mundo,
sentindo como
poucos.

É assim, de coração:
sentir e ignorar os sentimentos
e desejos mais urgentes,
mais intensos, mais
sinceros,
enquanto aprende a suportar
o medo de perder o que
não é seu. — o que nunca
foi seu, nem nunca
será.

E taí um ato inútil de bravura
daqueles que não têm
mais escolha.

⁠Perdoar -

Perdoar
é o ato de proteger e
ensinar pessoas
(más)
a machucar
você.

⁠⁠Repara -

Se o dia amanheceu
e você não reparou
no simples
— no essencial da vida —
você ainda não acordou
(pra vida).