Coleção pessoal de gtrevisol

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Pilotagem

E os meus olhos rasgarão a noite;

E a chuva que vier ferir-me nas vidraças
Compreenderá, então, a sua inutilidade;

E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;

E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;

E a mão alva que me apontava os nortes
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;

E todas as luzes que tresnoitaram os homens
apagar-se-ão;

E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;

E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;

E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!

Secreto me acho
e secreto me sentes
quando
secreto me julgas,
Impuro me reconheço
quando
o nosso silêncio
são vozes turbas.
Dúbio é o desejo
quando
não é transparente

Nas trevas, a imaginação trabalha mais ativamente do que em plena luz.

É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias.

Tudo o que se pensa é afecto ou aversão.

Não é que o gênio se adiante um século ao seu tempo, é a Humanidade que se encontra cem anos atrás dele.

Nem chega a ser útil saber o que acontecerá: é muito triste angustiar-se por aquilo que não se pode remediar.

Durante séculos a Humanidade evoluiu porque os seres humanos eram obrigados a produzir e a pensar. Hoje vive-se a situação contrária: como os homens estão a desabituar-se de pensar, a Humanidade encontra-se num processo de estupidificação.

...nem mais um minuto de jaula. Nem para o tigre, nem para ela.

Conheço o silêncio colorido das alucinações da madrugada e um dia quis descansar, procurei o que era real à minha volta e arrependi-me. Era tudo muito aborrecido e sombrio.

Andamos pelo mundo
Experimentando a morte
Dos brancos cabelos das palavras
Atravessamos a vida com o nome do medo
E o consolo dalgum vinho que nos sustém
A urgência de escrever
Não se sabe para quem
E ao acordar... a incoerente cidade odeia
Quem deveria amar

O tempo escoa-se na música silente deste mar
Ah meu amigo... como invejo essa tarde de fogo
Em que apetecia morrer e voltar

No regresso encontrei aqueles
Que haviam estendido o sedento corpo
Sobre infindáveis areias

Tinham os gestos lentos das feras amansadas
E o mar iluminava-lhes as máscaras
Esculpidas pelo dedo errante da noite

(...) Estavam vivos quando lhes toquei depois
A solidão transformou-os de novo em dor
E nenhum quis pernoitar na respiração
Do lume

O certo
É que por vezes morremos magros até ao osso
Sem amparo e sem deus
Apenas um rosto muito belo surge etéreo
Na vasta insónia que nos isolou do mundo
E sorri
Dizendo que nos amou algumas vezes
Mas não é o rosto de deus
Nem o teu nem aquele outro
Que durante anos permaneceu ausente
E o tempo revelou não ser o meu

E eu
Indiferente à sonolência da língua
Ouço o eco do amor há muito soterrado

Encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
No interior desta ânfora alucinada

Desço com a lentidão ruiva das feras
Ao nervo onde a boca procura o sul
E os lugares dantes povoados
Ah meu amigo
Demoraste tanto a voltar dessa viagem

O mar subiu ao degrau das manhãs idosas
Inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

Assim me habituei a morrer sem ti
Com uma esferográfica cravada no coração

E uma vez acordou
Caminhou lentamente por cima da idade
Tão longe quanto pôde
Onde era possível inventar outra infância
Que não lhe ferisse o coração

É melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros.

Será que nos resta muito depois disto tudo, destes dias assim, deste não-futuro que a gente vive? (...) Todos os valores se me gastaram, mesmo à minha frente. O dinheiro gasta-se, o corpo gasta-se. A memória. (...) Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projectos.

Como se conseguiu, de geração para geração, avanços materiais, tecnológicos, e os conflitos são os mesmos?

A morte só chega uma vez e faz-se sentir a todos os momentos da vida; é mais cruel temê-la do que sofrê-la.

Um homem não é um homem só, são muitos; multiplica-se tantas vezes quantos os seus gostos, e de maneiras diferentes. É a cada momento o que não era, e vai ser em breve o que nunca foi: sucede-se a si mesmo.