José Saramago
«...é como viver, nascemos, vemos os outros a viverem, pomo-nos a viver também, a imitá-los, sem sabermos porquê nem para quê»
«elas não são, as palavras, aquilo que declaram, estar só (...) é muito mais que conseguir dizê-lo e tê-lo dito».
"... como se a imagem dele se fosse desvanecendo com a memória que dele tem, ou melhor, é como um retrato exposto à luz que lhe vai apagando as feições, ou uma coroa mortuária, com as suas flores "
"...parecia que tínhamos chegado ao fim da estrada e afinal era apenas uma curva a abrir para outra paisagem e novas curiosidades"
Nunca esperei nada da vida, por isso tenho tudo.
Que dirá a vizinhança quando der por que já não estão aqui aqueles que, sem morrer, à morte estavam.
(As intermitências da Morte)
O grande problema do nosso sistema democrático é que permite fazer coisas nada democráticas democraticamente
O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver
Pode-se sempre pôr a palavra boa sobre a má palavra, mas nem uma nem outra poderão ser retiradas.
Tendo subido a uma montanha para alcançar as paisagens de além, resiste a regressar ao vale enquanto não sentir que nos seus olhos deslumbrados já não cabem mais vastidões.
Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de contrição, quis mudar o seu nome e para um outro mais humano. Falando a multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça”. E a multidão respondeu-lhe: “Justiça, já nós a temos, e não nos atende”. Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito”. E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”. E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”. Disse a multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite.”
Fisicamente,
habitamos um espaço,
mas, sentimentalmente,
somos habitados por
uma memória. Memória
que é a de um espaço e
de um tempo, memória
no interior da qual
vivemos, como uma ilha
entre dois mares: um que
dizemos passado, outro
que dizemos futuro.
Podemos navegar no
mar do passado próximo
graças à memória
pessoal que conservou
a lembrança das suas
rotas, mas para navegar
no mar do passado
remoto teremos de
usar as memórias que
o tempo acumulou, as
memórias de um espaço
continuamente
transformado, tão fugidio
como o próprio tempo.
Há um mal econômico, que é a errada distribuição da riqueza. Há um mal político, que é o fato de a política não estar a serviço dos pobres.
A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança.
O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, tudo isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses.
Como podem homens com Deus serem tão maus?
O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força, não se pode resistir-lhe, mil vezes o ouvi à gente mais velha, Acredita na fatalidade, Acredito no que tem de ser.
A maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há.
O tempo das verdades plurais acabou. Agora vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias.
A vida, que parece uma linha reta, não o é. Construímos somente uns cinco por cento da nossa vida, o resto fazem os outros, porque vivemos com os outros e às vezes contra os outros. Mas essa pequena porcentagem, esses cinco por cento, é o resultado da sinceridade consigo mesmo.
O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta.
Há duas palavras que não se podem usar: uma é “sempre”, outra é “nunca”.