Biografia de Carlos Heitor Cony

Carlos Heitor Cony

Carlos Heitor Cony nasceu no Rio de Janeiro, no dia 5 de janeiro de 1926. Teve sua formação intelectual no seminário de Rio Cumprido, mas não se tornou padre. Estreou no jornalismo na Rádio Jornal do Brasil em 1952. Lançou seu primeiro livro “O Ventre”, em 1958.

Em 1961 começou a trabalhar no Correio da Manhã. Foi sempre lembrado como o cronista que ousadamente atacou a ditadura militar nos primeiros dias do golpe militar de 1964. Por causa da oposição publicada no Correio da Manhã, respondeu a processos e foi várias vezes preso pela ditadura militar. Nos anos 70, quando trabalhou nos veículos governistas do empresário Adolpho Bloch, passou a ser visto com desconfiança pelos oposicionistas.

Desde os anos 90, era cronista do jornal A Folha de São Paulo. Durante vários anos foi comentarista diário da Rádio CBN, o programa “Liberdade de Expressão”, junto com Artur Xexéo. No dia 23 de maio de 2000, foi eleito para a cadeira n.º 3 da Academia Brasileira de Letras.

Carlos Heitor Cony escreveu 17 romances, entre eles: “A Verdade de Cada Dia” (1962), “Matéria e Memória” (1962), “A Cada do Poeta Trágico” (1997), “O Beijo da Morte” (2003) e “A Morte e a Vida” (2007). Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 5 de janeiro de 2018.

Acervo: 22 frases e pensamentos de Carlos Heitor Cony.

Frases e Pensamentos de Carlos Heitor Cony

Nostalgia é saudade do que vivi, melancolia é saudade do que não vivi.

Garoto das Meias Vermelhas

Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito.
Na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa.
Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas.
Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas.
Ele falou, com simplicidade:
"no ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo".
Colocou em mim essas meias vermelhas.
Eu reclamei. Comecei a chorar.
Disse que todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas.
Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias vermelhas.
Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando visse um menino
de meias vermelhas, saberia que o filho era dela."

"Ora", disseram os garotos. "mas você não está num circo.
Por que não tira essas meias vermelhas e as joga fora?"
O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés,
talvez para disfarçar o olhar lacrimoso e explicou:
"é que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora".
Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas.
"Quando ela passar por mim, em qualquer lugar em que eu esteja,
ela vai me encontrar e me levará com ela."

Muitas almas existem, na Terra, solitárias e tristes, chorando um amor que se foi.
Colocam meias vermelhas, na expectativa de que alguém as identifique,
em meio à multidão, e as leve para a intimidade do próprio coração.
São crianças, cujos pais as deixaram, um dia, em braços alheios,
enquanto eles mesmos se lançaram à procura de tesouros, nem sempre reais.
Lesadas em sua afetividade, vivem cada dia à espera do retorno dos amores,
ou de alguém que lhes chegue e as aconchegue.
Têm sede de carinho e fome de afeto.
Trazem o olhar triste de quem se encontra sozinho e anseia por ternura.
São idosos recolhidos a lares e asilos, às dezenas.
Ficam sentados em suas cadeiras, tomando sol, as pernas estendidas,
aguardando que alguém identifique as meias vermelhas.
Aguardam gestos de carinho, atenções pequenas.
Marcam no calendário, para não se perderem, a data da próxima visita,
do aniversário, da festividade especial.
Aguardam...

São homens e mulheres que se levantam todos os dias, saem de casa,
andam pelas ruas, sempre à espera de alguém que partiu, retorne.
Que o filho que tomou o rumo do mundo e não mais escreveu,
nem deu notícia alguma, volte ao lar.
São namorados, noivos, esposos que viram o outro sair de casa,
um dia, e esperam o retorno.
Almas solitárias. Lesadas na afetividade. Carentes.

Pense nisso!
O amor, sem dúvida, é lei da vida.
Ninguém no mundo pode medir a resistência de um coração
quando abandonado por outro.
E nem pode aquilatar da qualidade das reações que virão daqueles
que emurchecem aos poucos, na dor da afeição incompreendida.
Todos devemos respeito uns aos outros.
Somos responsáveis pelos que cativamos ou nos confiam seus corações.
Se alguém estiver usando meias vermelhas, por nossa causa, pensemos se esse
não é o momento de recompor o que se encontra destroçado,
trabalhando a terra do nosso coração.
A maior de todas as artes é a arte de viver juntos.

Ano novo, vida velha. A vida é mais do que calendários, fusos ou órbita gravitacional.

Carlos Heitor Cony

Nota: Versão modificada do pensamento original.

Biquínis e mensagens devem ser curtos para aguçar o interesse e longos o suficiente para cobrir o objeto.

O capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera.

Carlos Heitor Cony
A hipoteca social. Folha de S.Paulo, 18 nov. 2008.