Lou Bertoni

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Gosto quando dizem que sou esquisita. Isso valoriza meu acabamento alternativo.

INVASOR

Não, não toque aí.
Minha alma é como panos leves.
Rasga-se diante das meias verdades.

Quando eu disse que podia entrar,
falava de poder ouvir o tapete pisado,
o chão da sala marcado,
contra luz,
você trazendo desenhos
do tempo que sonhava com guitarras,
arranhava resenhas e gostava de gente.
Achei que vinha só você,
vestido de projetos,
escorregando idéias pelos cabelos chuvados,
que diria bobagens risonhas,
molharia-me por dentro,
inventaria uma peça, um passeio no parque,
aquele móvel que abre, um danado de pato assado.
Inundando, ainda que divergindo.
Transformando, marinando ou preferindo.
Multiplicando, mas, por vezes,
dividindo.

Não pensei,
quando eu disse que podia entrar,
que eu fosse ter, depois,
saudade dos sinceros.

CARTAS AMOROSAS

escreva cartas de amor, mas não as amasse
assim como os poemas, destilados em versos beijados
podem tudo os amantes novatos, menos desfazer provas
ou cometer arrependimentos ainda que indesejados

vale uma pequena prova escrita, qualquer ato
ou insanidade cometida, tudo deve permanecer intacto
o vivido não merece o destino do nada
mesmo que sua lixeira seja obra patenteada

não, não jogue fora o respirar do tempo
a sandice da mão que comete uma declaração
guarde bem a foto com cara de bobo
aquela mal tirada no lambe-lambe do parque

mesmo que a foto contenha bancos, praças, pipoca
e um olhar besta de eterno apaixonado
quem sabe um dia você não tome coragem
e tire tudo isto do baú contemplando sua bagagem

espalhe as baboseiras escritas, fotografadas
deixe todas as coisas descansarem reviradas
descubra um você menino no presente
um você amoroso e frágil, um você diferente

talvez neste dia você tome posse
do que já havia esquecido, do muito que havia sido
seus crimes amorosos estão agora prescritos
mas ficam mais belos sempre que são descritos

dizem que com os anos a ausência de culpa
esculpe novos seres humanos dentro dos velhos que ocupa

COTIDIANAS

Pensando bem, é preciso reconhecer o outro.

Ler nos sinais da presença
O gesto escondido
O som não emitido
A angústia abafada
Mas não é possível traduzir tudo
Praticar autópsia a cada encontro
Milimetrar esboços de mágoa
Precisar olhares de confronto

Pensando bem, é impreciso conhecer o outro.

Crer nas tramas da palavra
O projeto dividido
O amor não merecido
A paixão monossilábica
Cada fragmento de experiência
Colados uns aos outros
Cria monstros, indecifráveis
Cobertos pela fina camada do novo

Pensando bem, é narciso tecer o outro.

Inserida por kasulo

QUINTANICES

Eu sei, meu bem, eu sei...
Onde vão parar as notícias, as cartas errantes,
Onde estão as delícias, os amigos distantes,
Os guarda-chuvas perdidos, as promessas dos amantes.

Eu sei, meu bem, eu sei...
Onde estão os amores, o presente bizarro,
Onde estão os cantores, aquela chave do carro,
As maletas esquecidas, o seu último cigarro.

Eu sei, meu bem, eu sei...
Onde estão as malas, os arquivos sumidos,
Onde estão as balas, os pacotes esquecidos,
Aquela nota que foi paga, todos os objetos perdidos.

Nada sumiu de verdade...
Segundo o poeta e sua lógica, giram enquanto eu durmo
Hoje são poeira cósmica, viraram anéis de Saturno.

Inserida por kasulo

UM PRESENTE PARA NELSON

Ei-lo. Foi feito para o inverno,
embora tramado com a força
do ano todo...

mas não tome vento
e cuidado com as janelas

não ande rápido
e verifique as tramelas

não entre em carros
e nem passe por vielas

não receba visitas
com flores nas lapelas

não conviva com vampiros
nem mesmo em capelas

não confie em guarda-chuvas
muito menos em umbrelas

mantenha-se longe de talheres
evite até as baixelas





não movimente as mãos
lixe as unhas com cautela

procure ficar imóvel
nem experimente as chinelas

não coma e não beba
nem mesmo chá de canela

não respire fundo
mesmo que esteja em Bruxelas

suspenda aquele pileque
procure agir com cautela

cuidado com os espinhos
até das flores mais belas

não aceite agrados
nem jantar a luz de velas

mesmo estando na África
em sua linda cidadela

o cachecol que fiz para você,
não é forte como era a sua cela,
meu caro Mandela.

Inserida por kasulo

DIGITAIS

A moça, tímida
Bordou o céu e colocou as estrelas para que
A moça, apaixonada
Sonhasse minuciosos castelos que
A moça, traída
Iria infinita e vagarosamente ver ruir

Ah, essas moças que moram
dentro daquela moça que hoje está velha
Elas não sabem mas são como beijos de despedida
A última morada de todas elas
É este coração que ainda lembra
De todos os moços
para quem bordou, sonhou e morreu

Inserida por kasulo

A primavera chegou.
Flora eu.

Inserida por kasulo

Eu sou mansa.
O problema é que até gente mansa tem amor próprio e caninos.

Eu perco o namorado
Eu fico corada
Eu tomo banho de sal
Mas não desço do salto
Nem quando pareço amarrotada.
Tenho alma de tergal.

Inserida por kasulo

Série Postal:

O olhar dele era azul do espaço.
Mas tive medo do inverno do abraço.

Inserida por kasulo

ELAS

No beijo do ex-namorado,
Amor é uma palavra estragada.

Inserida por kasulo

Guardei a lua cheia
Aquela pedra de São Tomé
O roteiro da viagem
A foto do seu pé.
Mas não foi por saudade
Muito menos pelas rosas
É que dizem que dá sorte
Guardar bobagens amorosas.

Inserida por kasulo

Uvas são cápsulas feitas de gel licoroso com uma fina película de algo doce que termina azedo. São como pessoas. Nos dois casos, gosto mais do design delas do que do sabor.

Inserida por kasulo

Descobri que quem fica escolhendo príncipes
acaba a vida sendo dona de um ranário.

Inserida por kasulo

SOBRE O AMOR - I

A isca a gente vê.
Mas o anzol a gente sente.

Inserida por kasulo

DECLARAÇÃO I

Não gosto de ganhar rosas.
Não tenho paciência com crianças.
Detesto massagem “pra relaxar”.
Entendo pouco sobre Deus.
Mas cuido de bêbados, salvo gatos, faço aniversário
de chatos, cozinho para medíocres, perdôo grosserias.
Minha sensibilidade é seletiva.

Inserida por kasulo

A abelha enfastiada
achava chata
sua vida de operária
na colméia.
Mal sabia ela que era
bem mais feliz que a família
que consumia
sua geléia.

Minhas verdades são poucas.
Perdi a fina casca que protegia
meu fino pudor.
Hoje sou Antonietas,
Anas Célias,
Marias e suas varizes.
Meu coração mundano e aprendiz,
percorre outros corpos,
habita outros medos
mas sempre volta.
Bem humilde.
Bem viciado.

Inserida por kasulo

Na genética, transmissão de informação não é fala. É falo.

Inserida por kasulo

“Mensagem de fumacinha: onde anda a Clara Pálida?”
(Um índio que gostava de cinema escreveu no banheiro este poema)

Inserida por kasulo

Só muito depois descobri que ele era teclável.
Mas a Internet comeu meus olhos de pressentir.

Inserida por kasulo

DECLARAÇÃO II

Fico triste quando solitária.
Talvez eu chore,
Talvez eu ame outro cara.

Inserida por kasulo

Foi dormindo pouco que descobri que viver ininterruptamente é meio brutal para quem tem lembranças.

Inserida por kasulo

Oficialmente, uma borboleta não é obra dos deuses.

Inserida por kasulo