Herman Hesse

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Existe um milagre em cada recomeço.

Apanhou Hermínia, que se havia convertido, de súbito, numa figurinha de xadrez em seus dedos, e guardou-a no mesmo bolso do colete de que antes havia tirado o cigarro. Prazerosamente saboreei o doce e pesado fumo do cigarro, senti-me exausto e disposto a dormir um ano inteiro.

Oh! agora compreendia tudo: compreendia Pablo, compreendia Mozart, ouvia algures atrás de mim seu riso espantoso, sabia ter em meu bolso centenas de milhares de figurinhas do jogo da vida, suspeitava emocionado o sentido, tinha a intenção de iniciar de novo o jogo, de voltar a estremecer diante de seus desatinos, de voltar a percorrer o inferno do meu interior, não uma vez, mas sempre.

Da próxima vez saberia jogar melhor. Da próxima vez aprenderia a rir. Pablo me esperava.
Mozart também.

Nunca se chega a porto; mas quando duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro nos parece o anelado pôrto.

O apego desesperado ao próprio eu
a desesperada ânsia de viver
São o caminho mais seguro
para a morte eterna
O próspero saber morrer
Rasgar o véu do mistério
Ir procurando eternamente
mutaçoes em si mesmo
Conduz a imortalidade.

Alguns acham que persistir nos faz fortes, mas, às vezes, é desistir.

..Mas intimamente, na alma, esse homem nos perturbou e prejudicou, tanto à minha tia quanto a mim, e, a bem dizer, até hoje ainda não consegui me libertar dele. Às vezes, ainda sonho com ele, e sinto-me profundamente perturbado e inquieto por sua causa e pela simples existência de um ser assim, embora tenha vindo a sentir por ele um verdadeiro afeto.

Inserida por pandavonteesedois

Havia nesse olhar um tanto mais de tristeza que de ironia; era na verdade, um olhar profundo e desesperadamente triste, com o qual traduzia um desespero calado, de certo modo irremediável e definitivo, que já se transformara em hábito e forma.

Convenci-me de que Haller era um gênio do sofrimento; que ele, no sentido de várias acepções de NIetzsche, havia forjado dentro de si uma capacidade de sofrimento genital, ilimitada e terrível

O homem devia orgulhar-se da dor: toda dor é uma manifestação de nossa elevada estirpe

Quando não encontro nem um nem outro e respiro a morna mediocridade dos dias chamados bons, sinto-me tão dolorido e miserável em minha alma infantil, que atiro a enferrujada lira do agradecimento à cara satisfeita do sonolento deus, preferindo sentir em mim uma verdadeira dor infernal do que essa saudável temperatura de um quarto aquecido.

Arde então em mim um selvagem anseio de sensações fortes, um ardor pela vida desregrada, baixa, normal e estéril, bem como um desejo louco de destruir algo, seja um armazém ou uma catedral, ou a mim mesmo.

Pois o que eu odiava mais profundamente e maldizia mais, era aquela satisfação, aquela saúde, aquela comodidade, esse otimismo bem cuidado dos cidadãos, essa educação adiposa e saudável do medíocre, do normal, do acomodado.

Não consigo permanecer por muito tempo num teatro ou num cinema, mal posso ler um jornal, raramento leio um livro moderno. Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com uma música sufocante e vulgar, aos bares e espetáculos de variedades, às feiras. Não entendo nem compartilho dessas alegrias, embora estejam ao meu alcance, pelas quais milhares de outros tanto anseiam

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Como acontece aliás com todos os seres mistos.
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Por exemplo, caso tivesse atitudes como homem, um pensamento belo, experimentasse uma sensação nobre e delicada, ou praticasse uma das chamadas boas ações, então o lobo em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de fera.

Um simples pecador em certas circunstâncias pode ser mais querido a Deus do que noventa e nove justos.

O homem solitário e sofredor se eleva por uma hora tão alto sobre seu próprio destino que sua felicidade brilha como uma estrela, e parecem a todos os que a veem como algo eterno e como se fosse seu próprio sonho de ventura.

O Lobo da Estepe perecia por sua própria independência. Havia alcançado sua meta, seria sempre independente, ninguém haveria de mandar nele, jamais faria algo para ser agradável aos outros. Só e livre, decidia sobre seus atos e omissões. Pois todo homem forte alcança indefectivelmente o que um verdadeiro impulso lhe ordena buscar. Mas em meio à liberdade alcançada, Harry compreendia de súbito que essa liberdade era a morte, que estava só, que o mundo o deixara em paz de uma inquietante maneira, que ninguém mais se importava com ele, nem ele próprio, e que se afogava aos poucos numa atmosfera cada vez mais ténue de falta de relações e de isolamento. Havia chegado ao momento em que a solidão e a independência já não eram seu objetivo e seu anseio, mas antes sua condenação e sua sentença.

A manhã era para ele a pior parte do dia, causava-lhe temor e nunca lhe trouxera nada de bom. Nunca fora alegre em qualquer manhã de sua vida, nunca fizera nada de bom na primeira metade do dia, não tivera boas ideias, nem divisara nenhuma alegria para ele ou para os demais. Ao começar a tarde, ia reagindo lentamente, principiava a se animar e, ao cair da noite, em seus melhores dias, tornava-se frutífero, ativo e, às vezes, até brilhante e alegre. Disso decorria sua necessidade de isolamento e de independência. Nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele. Em sua juventude, quando ainda era pobre e tinha dificuldades em ganhar a vida, preferia passar fome e andar mal vestido a sacrificar uma parcela de sua independência. Nunca se vendera por dinheiro ou vida fácil às mulheres ou aos poderosos, e mil vezes desprezara o que aos olhos do mundo representa vantagens e regalias, a fim de salvaguardar a sua liberdade. Nenhuma ideia lhe era mais odiosa e terrível do que a de exercer um cargo, submeter-se a horários, obedecer a ordens. Um escritório, uma repartição, uma sala de audiência eram-lhe tão odiosos quanto a morte, e o que de mais espantoso podia imaginar em sonhos seria o confinamento num quartel. Sabia subtrair-se a todas essas coisas, a custo de grandes sacrifícios e nisso residia sua força e virtude, nisso era inflexível e incorruptível, nisso seu caráter era firme e retilíneo. Só que a essa virtude estavam intimamente ligados seu sofrimento e seu destino

Cada um deles sabe muito bem, em algum canto de sua alma, que o suicídio, embora seja uma fuga, é uma fuga mesquinha e ilegítima, e que é mais nobre e belo deixar se abater pela vida do que por sua própria mão.

O apego desesperado ao próprio eu, a desesperada ânsia de viver, são o caminho mais seguro para a morte eterna, ao passo que o saber morrer, rasgar o véu do mistério, ir procurando eternamente mutações em si mesmo conduz a imortalidade.

Porque eu sou como você. Porque estou tão só e amo tão pouco a vida, as pessoas e a mim mesma quanto você; e, com você, não posso levar nada disto a sério. Sempre houve pessoas assim, que exigem da vida o que ela tem de mais alto e não podem conformar-se com sua estupidez e crueldade.

E, no entanto, continua a ser um enigma para mim. Você brinca com a vida, tem um prodigiosa afeição pelos pequenos detalhes e prazeres, é uma espécie de artista da vida.

Como uma marionete, cujos fios se tivessem escapado dos dedos de seu manipulador, após uma morte breve e rígida e num momentâneo embotamento dos sentidos, volta a reanimar-se, volta a entrar em ação, a dançar e a agitar-se, assim corri, como arrastado por um fio mágico, para o tumulto donde há pouco fugira fatigado, desanimado e envelhecido, correndo então elástico, jovem e diligente

..A história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção.